Entrevista Belém até Morrer: Cândido Costa (2ª parte)

BAM – Agora que o horizonte belenense ficou reduzido à liga e à taça de Portugal, pensas ser possível repetir os sucessos da época passada, ou seja, regressar ao Jamor e obter uma classificação europeia? Neste mesmo sentido, o associado Artur Leitão deixou expressa a seguinte pergunta: “O que pensa do momento actual da equipa e se pensa que iremos lutar esta época pelos lugares de acesso à Taça UEFA!”

Cândido Costa: Penso que sim. Penso que o Belenenses neste momento tem um plantel jovem, mas tem também um plantel muito bem estruturado, com muitos valores e cada um deles diferente. Acho que Belenenses, tendo jogadores experientes no balneário tem os certos, porque são jogadores experientes que não deixam de ter qualidade, não são jogadores que estão aqui com trinta e poucos anos e que não jogam. São jogadores ainda muito úteis, como é o caso do Silas e do Costinha. São jogadores mais velhos, que têm experiência, mas são fundamentais para a equipa funcionar. Não é como acontece noutros clubes, onde jogadores mais velhos permanecem no plantel mas estão um bocado já a acabar. São já praticamente só portas bandeiras. Aqui não, são jogadores que ao Domingo ainda estão lá e ainda têm uma palavra a dizer e um papel preponderante na equipa.
Depois temos jovens, jogadores ainda muito jovens, mas que são titulares da equipa, jogadores muito fortes. Jogadores que estão a ser cobiçados e que estão nas selecções muitos deles, sub-20, sub-21 – o Ruben, o Rolando... São jogadores com uma margem de progressão muito grande.
E depois tens os outros, na meia idade futebolística, entre os 25 e os 28 anos. A equipa está muito bem preenchida, bem equilibrada entre os diversos escalões de idade, todos eles com muita qualidade e que garantem ao Belenenses continuidade no trabalho, na mística do Belenenses, no que é representar o belenenses. Alguns jogadores podem transmitir isso aos que chegam.
Hoje em dia está na moda virem muitos brasileiros e é importante quando eles chegam aqui que encontrem pessoas que já conhecem o clube, que lhes possam mostrar que jogar no Belenenses não é o mesmo que jogar no braga, não é o mesmo que jogar no boavista. Há identidade, há processos, há maneiras de se comportar. E isto, podendo parecer que não, é importante, também ganha jogos. Penso que nesse aspecto o Belenenses está forte, algo que tem que se agradecer ao Jorge Jesus que está a saber escolher bem as peças. Não é qualquer um que vem para o Belenenses.
Hoje para jogar no Belenenses eu sinto que é preciso estar bem, porque toda a gente quer vir para o Belenenses hoje em dia. Uma coisa foi vir para o Belenenses como eu vim, isso se calhar já havia poucos que quereriam vir. Hoje em dia toda a gente quer vir para o Belenenses. O Belenenses está em grande, está bem, está saudável.
Mas para isso é preciso também manter, é preciso ter uma atitude assim, ter mais vitórias do que derrotas, ser falado, inclusive ser odiado porque isto é sinal que o Belenenses está bem. Os adversários só odeiam um clube quando este é vencedor.

BAM – Quando te perguntaram quais eram os teus passatempos preferidos referiste, entre outros hobby´s mais de lazer, “observar comportamentos”. Aproveitando esta tua faceta, gostaria que falasses um pouco sobre o mister Jorge Jesus, sobre o que já apreendeste do seu comportamento enquanto homem e sobretudo treinador?
Tal como o teu ídolo Bruce Springsteen, Jesus é um verdadeiro “Boss” (patrão)?

Cândido Costa: Sem dúvida, sem dúvida que é. A diferença de dar um cargo a alguém e essa pessoa ter esse cargo mas depois quem está à volta não se identifica com o cargo dessa pessoa, acaba por ter pouca credibilidade. Neste caso, o mister Jesus tem efectivamente posição e cargo para ser o “Boss”. Pelo feitio dele, pela maneira dele ser... Eu gostaria mais de falar do mister Jorge Jesus – acho que a minha opinião só vai ser 100% honesta – quando deixasse de ser jogador dele. Tenho a hombridade para dizer isto. Tudo o que eu possa dizer agora – que é bom, o que eu tenho a dizer é bom – faz-me sentir sempre que estou a engraxá-lo. E eu não gosto disso, não me sinto bem.
Mas o que eu posso dizer nesta altura que sou jogador dele é que é apaixonado por aquilo que faz, e quem acompanha isso com ele, quando anda ao seu lado nisso, quem também quer ser assim, quem também quer dar tudo ao futebol – e o futebol é a nossa vida, é o que nos dá dinheiro no final do mês, temos que respeitar o futebol e dar-lhe o que ele nos dá a nós – tem 100% de hipóteses de ter sucesso ao lado do Jorge Jesus. Ele dá “24 horas sobre 24 horas” ao Belenenses, é o primeiro a chegar e o último a sair. Farta-se de ver jogos, farta-se de ver vídeos, repete o mesmo jogo vezes sem conta quando temos que perceber o que falhou. Não te larga “do pé” quando sabe que tu não estás bem em determinado aspecto, insiste contigo...
Às vezes tem aquele ar dele que parece que está a gritar, parece que está a desbaratar o jogador todo, mas também cabe ao jogador interpretar aquilo, interpretar o que ele quer dizer com aquilo. O jogador que perceba isso tem, na minha opinião, quase 100% garantido de pelo menos saber que o Jorge Jesus conta com ele.

BAM – Tal como tu próprio, Jesus renovou o seu contrato com o Belenenses, indo o treinador azul permanecer no Restelo até pelo menos 2010. A duração do teu contrato é uma preocupação para muitos belenenses. Introduzo aqui uma pergunta (questão que também foi veiculada pelo associado Bruno Nunes) do associado João Azul: “Sendo que o seu contrato acaba no fim da época, qual é a sua ideia. renovar? ou sair?”,

Cândido Costa: Eu tenho uma relação muito boa com o presidente. Assinámos o contrato para esta época e com mais uma de opção do clube. Mas eu fiz um pacto com o presidente e ele fez um pacto comigo. Olhos nos olhos. Que é: eu vou ficar sempre no Belenenses enquanto o Belenenses quiser que eu fique. Disse-lhe isso nos olhos, e ele disse-me isso a mim também. Enquanto ele cá estivesse, um jogador como eu, para ele, era sempre das primeiras escolhas. E ficou assim. Não é por eu ter um contrato só até ao final desta época que isso iria significar alguma coisa. Não significa nada. A palavra conta tudo, e conta tanto que até se falou também do caso de chegar aqui alguém no final da época a oferecer o dobro do que eu ganho no Belenenses. Não hás de querer ir embora, perguntou-me o presidente? Eu digo assim: se ganho o dobro, tenho filhos, sou novo, é uma coisa a ponderar.
E para não haver essa dúvida, para não criar susceptibilidades de dizer assim: então só assinou um ano e quando este acabar ele vai-se embora, eu coloquei a opção do lado do Belenenses.
Eu também poderia dizer assim: então assinar um contrato de três anos não é também um bocado cómodo? “Tenho três anos de clube, tenho tempo...”.
Não é pouco inteligente, hoje em dia, o clube funcionar assim, fazer contrato de ano a ano, com uma opção para accioná-la. Também obriga o jogador a trabalhar e a ter que jogar, a querer jogar. Porque se não jogar, acaba a época e tem pouco mercado, e outros clubes também não o querem. Obriga o jogador a trabalhar mais do que tendo um contrato confortável durante quatro anos. “Se não jogar este ano, jogo para o próximo, ou no seguinte...”
Acho que o jogador também tem que ter objectivos, não pode ter a vida toda facilitada. O jogador também tem que fazer pela vida.

BAM – Portanto, existindo a opção de mais uma época, permanecerás no clube pelo menos até 2009. Com o teu conhecimento interno do clube (e com uma certa dose de futurismo sempre imprevisível ) és capaz de imaginar como será o Belenenses em 2010 – ano de término do contrato de Jorge Jesus? Poderá, por exemplo, lutar por uma classificação que dê acesso à liga dos campeões?

Cândido Costa: Se o clube mantiver a estrutura, se o clube de facto mantiver o mister Jorge Jesus e tudo isto que o rodeia – neste momento o Belenenses está pujante – acredito que sim, acredito que o Belenenses possa começar a época não com um discurso “de que iremos tentar fazer mas que será difícil, vamos até onde esta equipa pode ir”, mas com um discurso mais já mais seguro: “Nós vamos de certeza lutar para a Liga dos Campeões, e se não o conseguimos será um fracasso”.
Isto é muito simples na minha opinião. Ao treinador tem que ser dado tempo e depois, se aparecer o sucesso, das duas uma: o sucesso foi tão grande e surgem factores externos que obrigam a libertar esse treinador, caso de um grande clube chegar e apresentar quantias irrecusáveis, sem que seja possível segurá-lo; ou então é ter a coragem de acreditar naquilo que foi o sucesso e saber que aquele é o caminho. Saber que o Belenenses, com estas pessoas, tem um caminho. Ninguém consegue nada por acaso, ficar em quinto lugar e ir à final da taça por acaso. As pessoas que cá estão sabem o que é ter sucesso e sabem o que é ganhar jogos. E não é, por exemplo, por o Belenenses neste início de época ter feito alguns resultados menos bons, que não tem 10 pontos e que já está na luta; que já não está colado a eles e que não está capaz de ganhar um jogo e se duas ou três equipas perderem já está lá em cima, em 4º ou em 5º. É preciso haver confiança na equipa, e não o que é hoje azul, amanhã já é verde. As pessoas tem de ter confiança, que dizer “este é o caminho”: independentemente de alguma derrota, “este é o caminho”. Vê-se que a equipa está estruturada, que as coisas vão funcionar. É assim que as equipas grandes conseguiram e conseguem ter sucesso.
Já joguei numa equipa grande e sei que só quando há rotinas, só quando há mística é que as coisas funcionam. Porque é que o porto, por exemplo, teve e tem anos dourados? Por que os jogadores que chegavam tinham muita qualidade mas, sobretudo, por havia ali toda uma cultura, uma união muito forte entre os que ficavam que tornava mais fácil aos que chegavam abraçarem e apreenderem o clube. Tudo funcionava dentro e fora do balneário e os jogadores acreditavam que o melhor para o seu sucesso era aquilo. Mesmo que às vezes não se ganhe.

BAM – Regressando às 4 linhas, e sendo certo que o importante é jogar, pensas que o lugar de defesa lateral direito se enquadra bem com as tuas características? A tua faceta “guerreira”, combativa e, simultaneamente, técnica, não produzirá melhores resultados no meio campo, onde tens mais liberdade para colocar em prática o teu futebol criativo e irreverente? Esta questão foi colocada por diversos associados, entre os quais o Henrique R.: “Cândido, onde gostas sinceramente mais de jogar? A lateral ou como médio de ataque?”

Cândido Costa: Ser lateral direito está a ser uma coisa nova para mim. Para mim e para vocês, adeptos, ao verem-me nessa posição. E sei que no ano passado fiz a época numa posição mais avançada, a médio, e tenho qualidades para jogar ali. O discurso decorado que “eu jogo onde o mister quiser”, não é por aí que eu vou. É mais pela minha opinião pessoal: para mim, estar no 11 do Belenenses ao fim-de-semana, é mesmo motivo de orgulho. Cada fim-de-semana que passe eu sei que preciso lutar para na jornada a seguir estar lá outra vez. É muito difícil, como já te disse, jogar hoje no Belenenses, é mesmo muito difícil. Pela qualidade que a equipa tem, pelas rotinas que a mesma já adquiriu, é muito difícil jogar na equipa titular do Belenenses. E se calhar, jogadores que são figuras noutras equipas vinham para o Belenenses e não sei se encaixavam. É complicado jogar no Belenenses. Quando eu vou para lateral direito – é aí que o Jorge Jesus me está a ver, a fazer essa posição – tenho que me sentir lisonjeado. Porque ele acredita em mim e acha que eu posso ser um grande lateral direito com as minhas qualidades. E quando começar a conhecer melhor a posição, poderei aparecer como gosto, de trás para frente, poderei ir à linha como gosto de ir. O mister Jesus acredita nisso e eu, como acredito nele, estou a tentar tudo para ser este lateral direito que falei.

BAM – Mas por vezes pareces receoso de ir à linha final, de subir mais no terreno...

Cândido Costa – Às vezes passa por tu saberes qual o momento certo para atacar naquela posição. Quando se faz recuar um médio para lateral ele vai estar sempre, nos primeiros tempos, a saber que está ali mas que a sua posição não é aquela. Isso vai criar sempre algumas indecisões relacionadas com a falta de rotina. A lateral, a médio ou a extremo eu quero é estar no 11, e dar o meu melhor: defender bem e também, quando tiver que atacar, fazê-lo da melhor forma.

BAM – Mas pensas que será uma adaptação circunstancial, relacionada com o plantel actual, ou que poderás fazer carreira nessa posição?

Cândido Costa – Neste momento, é assim que o mister me está a ver, e eu só tenho que dar o meu melhor. Mas tenho a consciência que a maioria da malta aqui me prefere ver mais à frente. Vão-me chegando opiniões, e eu compreendo isso, mas eu tenho é que dar tudo de mim, seja em posição for.

BAM – Vou-te fazer agora a pergunta que afirmaste que nunca te fizeram mas que gostarias que te fizessem (risos do Cândido).
“O que pensas do mundo do futebol e dos homens de gravata que o rodeiam?”

Cândido Costa: É uma pergunta que é original. Eu disse isso num contexto em que estava a sentir alguma coisa, em que queria dizer alguma coisa; por isso fiz a pergunta. Fiz a pergunta para ir de encontro de quê? Penso que existem algumas pessoas no futebol que acabam por ter muito protagonismo para aquilo que de facto lutaram pelo futebol. Vamos falar de ti Alcides. Se calhar tu, que gostas muito de futebol, que gostas muito do Belenenses, nunca tiveste 1% do protagonismo que algumas pessoas que fizeram muito menos que tu pelo futebol, pelo teu clube. Foi isso que me levou a fazer essa pergunta.

BAM – Ou seja, o futebol deveria ser dos adeptos, e estes deveriam ser mais considerados...

Cândido Costa: Revolta-me às vezes algumas pessoas terem acesso a algumas coisas que o adepto normal não tem, que fica triste quando o clube perde, que tenta ajudar o clube no que pode e não tem protagonismo nenhum.
Certos indivíduos entram no futebol de pára-quedas, não se sabe bem porquê, como de repente têm certos cargos e até podem andar no mundo do futebol e até podem dar algumas entrevistas para os jornais. O que é que estás pessoas fizeram, do que é que abdicaram, o que é que estudaram...
São pessoas que parecem entrar no futebol só pela posição financeira que têm. Parece que, hoje em dia, para entrar no futebol, basta ter dinheiro e aparecer a dizer que sou do benfica ou sou do Belenenses, arranjar mil ou dois mil contos...
O que me dá a entender é que o dinheiro hoje em dia compra o protagonismo no futebol...

BAM – Esse é o futebol a que chamo “futebol moderno”, ou seja, o futebol dos clubes/empresa, o futebol enquanto fenómeno cada mais televisivo, com jogos à 2ª feira e tudo o mais. Já não é o futebol dos adeptos, mas sim o futebol dos accionistas...

Cândido Costa: Eu acho que as empresas e as acções, e a parte do gerir o negócio futebol, nunca deveria interferir com o outro lado do futebol: o futebol paixão, o futebol dos adeptos, o futebol da relva, da bancada quando se critica ou aplaude um jogador. Deveriam ser dois mundos paralelos. Eles podiam entrar, os accionistas e todas as pessoas ligadas ao rentabilizar do futebol, mas deveriam manter-se nos escritórios.

BAM – Mas as coisas, inevitavelmente, não deixam de estar interrelacionadas. Por exemplo, no bessa, o Belenenses jogou numa 2ª Feira, às nove e meia da noite. Como é que um adepto de Lisboa, por exemplo, vai para o Porto, e chega depois às cinco da manhã para ir trabalhar às oito?

Cândido Costa: A pergunta que eu acabei por fazer a mim próprio foi uma forma de eu exigir o valor que tem de ser dado ao adepto. Por que é que os adeptos são sempre prejudicados? Por que é que eles, quando não vão ao estádio uma vez, são logo acusados por os estádios estarem vazios? Complicam-lhes a vida toda, metem os jogos na televisão tarde, a dias de semana... Como é que os adeptos de Lisboa, por exemplo, se podem deslocar para o norte num dia de semana tendo trabalho no dia seguinte? Os bilhetes são caros, não dão condições nenhumas, no intervalo não há nenhum espectáculo não há nada. Não fazem nada pelo adepto, só exigem x´s euros para que se possa ver o jogo, e os de fato gravata são os maiores e a gente ainda vai comprar o jornal para ler as entrevistas deles...

BAM – Sentes que o futebol inglês, onde já jogastes, conseguiu encontrar alguma equilíbrio entre o futebol actual e o respeito que se deve aos adeptos?

Cândido Costa: Ali é reciproco. O adepto tem respeito pelo jogador e o jogador tem respeito pelo adepto. Em Portugal, o mais prejudicado no meio disto tudo é o adepto. É a minha opinião. Só existe uma maneira de se ver o futebol. As únicas pessoas capazes de o fazer são os adeptos. O jogador anda nisto pelo dinheiro, porque é a sua profissão mas para ganhar o seu no final do mês; a liga, a federação e os clubes todos eles precisam de dinheiro; o adepto é o único que está no futebol para gastar dinheiro. E se não vier, se os adeptos de futebol em Portugal fizessem boicote aos jogos, alguém consegue imaginar o quão cinzenta seria essa jornada?

BAM – Mas a verdade é que o telespectador em casa acaba por ser muito mais considerado em relação a um adepto que se desloca ao estádio. As jornadas estendem-se por quatro dias, dois dos quais em dias de semana...

Cândido Costa: Em Inglaterra como é que eles conseguem ter os estádios cheios? Através de várias acções de marketing. Tem que se colocar na cabeça do adepto que vir ao estádio do Restelo a um Sábado ou a um Domingo é uma festa. Escolher, por exemplo, dias abertos, em que por sorteio alguns adeptos pudessem acompanhar a equipa na pré-competição, estarem dentro do balneário com os jogadores. Criar chamarizes para os adeptos virem, animação do relvado antes e no intervalo do jogo; conviver com os jogadores; é preciso fazer a interligação entre a equipa e os belenenses.
Em Inglaterra havia dois adeptos que todos os jogos eram escolhidos para estar dentro do balneário. É importante sentir todo o ambiente que antecede o jogo, o que é que o Cândido diz ao Silas, o que é que o Silas diz ao Cândido... A adepto ganha mais ligação com a equipa, fala com outros adeptos acerca da sua experiência e estes também vão querer ir lá e tudo isto chama gente ao estádio. Fazer com o que dinheiro que o adepto paga não seja somente para o jogo em si, mais para um espectáculo mais abrangente, com actuações no relvado e tudo o mais.
Investe-se pouco, por exemplo, no jogo de apresentação. Devia haver magia à volta da apresentação dos jogadores, devia-se fazer aqui no Restelo uma festa espectacular, fazer uma brincadeira onde alguns adeptos pudessem jogar com os jogadores por alguns minutos. Isto são coisas que funcionam: dar a possibilidade ao adepto de conhecer os jogadores como homens, ter outra perspectiva do que é um brasileiro estar cá, falar um bocado com ele, saber o que ele sente ao representar o clube. Isto é importante para os adeptos. Eu sei isso.
Lá em minha casa somos muitos, e só eu é que sou jogador de futebol, o resto é tudo adeptos. Eu sei o que um adepto sente.

BAM – Já que estamos a falar de adeptos... Tens uma ligação especial como o grupo ultra do Belenenses, à Fúria Azul. Sendo tu a pessoa emotiva que és, é importante para ti ter apoio vindo das bancadas, ser acarinhado por quem tanto gosta do Belenenses? A pergunta parte também do associado Fred Furioso que deseja saber “Qual é a sensação de ouvir uma musica com o seu nome em pleno jogo pela Furia Azul, e como é saber que é um jogador bastante acarinhado pela Adeptos...”

Cândido Costa: Respeito muito o adepto que está na bancada, respeito muito o facto da Fúria Azul, sem qualquer obrigação, me aplaudir quando eu saio, quando cantam o meu nome. Respeito muito isso. Ninguém é obrigado a fazer aquilo por mim, eu não lhes dei nada. Respeito muito isso.

BAM – A verdade é que dás...

Cândido Costa: Posso dar, mas naquele adepto que está ali a cantar o meu nome entusiasticamente sei que está alguém que acredita em mim e tem orgulho por eu ter a sua camisola vestida, tem orgulho por ser do Belenenses, gosta do Cândido Costa, e defende-me sem eu estar presente. Respeito isso. O meu irmão foi durante muitos anos membro de uma claque e sei o que é ser apaixonado por um jogador. Estou sempre ao dispor da Fúria Azul seja para o que for. Aquilo faz parte da minha vida, tenho que ser honesto para com as pessoas que cantam o meu nome, que fazem esforços para estar presentes em todos os jogos. Eu não permitiria a mim próprio nem a quem estivesse ao lado faltar ao respeito a isto, aquele sector da bancada, aqueles jovens e adeptos fervorosos do clube que estão ali a apoiar e a dar o melhor de si para defender o clube em todo o lado. Seria uma falta de respeito tremenda não saber perceber a paixão daqueles rapazes.

BAM – Não sei se tens a noção – és capaz de ter – que a massa adepta belenense te vê enquanto um jogador diferente, se sente mais próxima de ti e do que representas dentro e fora das quatro linhas. Pergunta o associado Miguel Amaral: “Como pessoa comunicativa e alegre, peço que transmita essa suas características para o resto do plantel e por favor faça ponte entre esses jogadores mais tímidos com os adeptos. Está disposto a esta tarefa?”
No mesmo sentido, o Nuno e de Ana, de, respectivamente 14 e 10 anos, perguntam:
“Já te vi dar a camisola e os calções no fim do jogo. Porque não ensinas outros jogadores do belenenses a gostarem tanto dos sócios como tu? Diz-lhes para não serem tímidos e ajudarem outros rapazes e raparigas da nossa idade a serem do nosso clube”.

Cândido Costa: É uma pergunta interessante vinda de miúdos de 14 e 10 anos. Tem um bocado também a ver com o feitio. Existem muitos jogadores do clube que adoram o Belenenses, que têm muito prazer em estar aqui... Eu não posso ser igual a eles, nem eles iguais a mim, nem eu sou melhor, nem eles são piores. Naquilo que são os meus defeitos, alguns dão-me dez a zero em qualidades, naquilo que às vezes alguns falham eu consigo superá-los. Faz parte da lei da vida, não podemos ser iguais em tudo. Essa parte da ligação dos jogadores com os adeptos não é por maldade, o feitio deles não lhes permite ser tão efusivos ou tão abertos de coração. Eu sou uma pessoa que se emociona muito facilmente e às vezes apetece-me ir para a bancada cantar também. Outros custa-lhes mais em dar a entender alguma coisa em termos emotivos e mantêm sempre aquela posição de jogador de futebol, muito “perfeito”, muito “direito”. Não se entregam às vezes ao calor das coisas. Eu sou mais de ir para lá cantar com eles e sentir o clube.
Mas o dar a camisola e os calções qualquer um pode dar. As pessoas têm que me achar lutador, raçudo e honesto. Já vi muita coisa no futebol que não passa de “show of”, já muitos jogadores a dar até as meias e a saírem de lá “todos” nus, mas depois são uns “chupa-sangue” tremendos. Lá dentro é que tens de dar tudo, porque camisolas cá fora é mais uma forma de reconhecimento, também dar um brinde a quem lá está e receber uma camisola.

BAM – Termino com uma provocação: apesar do teu filho, o Rafinha, fazer apenas 5 anos em Dezembro, já conseguiste fazer dele um portista ferrenho (como afirmaste que pretendias quando ele nasceu) ou, pelo contrário, temos nele um futuro grande belenense?

Cândido Costa: Eu vou-te dizer isto: ele tem quatro anos – e eu faço mesmo isto se vocês quiserem – e se lhe perguntares, sem eu dizer nada, qual é o seu clube (podem “massacrá-lo”, insistir para ele dizer que é do porto) ele vai dizer que é o Belenenses. Ele, numa idade importante em termos de se exprimir e tudo o mais, apanhou o pai a jogar no Belenenses, dei-lhe uma camisola azul, e então ele diz que é do Belenenses. Os miúdos têm de ser aquilo que são. Ele diz também porque vem ver os jogos, vê-me de azul e dei-me uma camisola da final da taça que ele gosta de levar para escola. Então diz que é o do Belenenses, que é diferente - porque eu lhe disse se lhe perguntarem porque é que é do Belenenses para ele dizer que é por ser diferente, não querer ser dos “grandes” porque é diferente. É assim, e o miúdo diz agora que é do Belenenses em todo o lado.