Entrevista Belém até Morrer: Cândido Costa.
Cândido Costa simboliza dentro das quatro linhas a vontade, a garra e o querer vencer e fora delas o jogador anti-vedeta, humilde e simples, que está sempre disponível para trocar algumas palavras com qualquer associado.
Mais do que o entrevistador, o entrevistado é chave do sucesso de qualquer entrevista. O número 27 belenense é um conversador nato e, mais importante, o seu olhar brilha quando fala do Belenenses. Perante tais predicados, aquilo que era uma entrevista – sempre com um certo grau de formalismo – transformou-se em algo que facilmente poderemos classificar de (longa) conversa entre dois belenenses que vibram e que pensam o clube para lá dos aspectos meramente futebolísticos.
Quanto aos agradecimentos, o primeiro terá forçosamente que ter como destino o Cândido Costa, ficando reservados os restantes para todos os leitores do Belém até Morrer que expressaram perguntas ao jogador e transformaram esta entrevista em algo mais abrangente e interactivo .
Belém até Morrer - Iniciaste a tua carreira no clube da terra natal, a Sanjoanense, com apenas sete anos de idade. Pode-se dizer que nasceste para ser futebolista ou, pelo contrário, foi apenas um acaso (sei que também jogaste hóquei em patins quando eras mais novo)? Que história está por detrás do teu nascimento para o futebol?
Cândido Costa: Foi de facto assim. Comecei a jogar futebol na Sanjoanense aos sete anos, foi o meu pai que me levou lá às camadas jovens. De resto foi tudo normal, tal como os jogadores que começam hoje passei por treinos de captação e essas coisas. Não foi com essa idade – apesar da vontade que tinha de jogar futebol – que achei que tinha alguma particularidade diferente, que queria ser jogador profissional. Talvez a pessoa mais importante terá sido o pai, que sempre acreditou, que sempre achou que eu iria ser jogador de futebol, que eu iria dar nas vistas. Foi um percurso normal como o de tantos outros jovens.
BAM - E como foi a tua história enquanto hoquista?
Cândido Costa: Na altura andava um bocado a descobrir aquilo em que eu pudesse ser bom, e o meu pai levou-me a um treino de hóquei, também na Sanjoanense. Foi uma barracada (risos). Fazia carrinhos aos outros jogadores porque transportava um bocado a ideia do futebol que era o desporto que acompanhava mais, e então dava grandes porradas. Acabaram por dizer ao meu pai que eu não podia treinar lá mais. Mandaram-me para o futebol...
BAM - Entretanto, aos 15 anos, ainda enquanto juvenil, ingressaste no Benfica, ou seja, tiveste de abandonar São João da Madeira e vir viver para uma grande cidade como é Lisboa. Como encaraste este enorme salto na tua vida? Foste obrigado a “crescer” demasiado depressa?
Cândido Costa: Eu sou uma pessoa – se hoje ainda o sou, na altura era ainda muito mais – muito apegada à minha família, aos meus irmãos e aos meus pais, tenho a relação que acho que toda a gente deveria ter com os pais. Sou amigo deles, e eles são meus amigos também e na altura custou-me muito separar-me do meu meio familiar, da minha terrinha. Obrigou-me a crescer rápido, aquilo que os jovens normalmente têm um período maior para sofrer essas coisas da vida, as desilusões, as experiências, eu vivi tudo muito rápido. Quando vim para Lisboa viver ia fazer 15 anos, e nunca tinha bebido uma cerveja na minha vida, por exemplo, representava mesmo aquela ideia que se tem do jovem da terrinha, saído da saia da mãe; eu era um bocado assim. Quando vim para cá tive que me virar sozinho mas isso também me fortaleceu, também me deu uma visão e um querer que isso valesse a pena, que mais tarde fosse recordado como algo que valeu a pena. Penso que também dai vem um bocado a minha personalidade, o ter crescido rápido e sozinho até conhecer, aos 17 anos, aqui em Lisboa, a rapariga que viria a ser a minha esposa. Foi um período um bocado complicado para mim, também tive uma lesão grave, em que tive de apelar ao meu espírito de guerreiro sem dúvida.
BAM - Como foram aquelas primeiras noites num ambiente estranho, sem conhecer ninguém...
Cândido Costa: Complicadíssimas. Escrevia cartas à minha família, ao meu pai, foi um período em que eu vi o preço que se paga em querer ser jogador de futebol e nestas idades ter que abdicar de algumas coisas. Sentia falta de tudo, dos meus colegas da altura da escola, do meu meio, de onde tinha nascido, das minhas brincadeiras no meu bairro. Foi um período que mexeu e que ainda hoje mexe. Foi um vazio muito grande que ficou.
BAM - Enquanto pai (nota: o Cândido tem dois filhos) como encararias a situação dos teus filhos irem jogar para uma cidade a quase 300 quilómetros de distância, fossem morar para longe de ti, completamente sozinhos. E hoje em dia isso acontece com crianças mais pequenas, 13, 14 anos de idade, que até podem ser de um país diferente, e vão para as grandes cidades para jogar futebol sem terem qualquer certeza que irão vingar, que seguirão a carreira de futebolista... Como pai, como verias uma situação dessas.
Cândido Costa: É muito difícil. Eu na altura não tinha a consciência daquilo que os meus pais estavam a sofrer... este um tema muito complicado para eu falar. Na altura não tinha essa consciência, e agora tenho uma ideia muito exacta do que seria deixar um filho ir à procura de um sonho para longe de nós. A gente cria os filhos, e tenta lhes dar tudo e depois de repente eles saem de casa com 14 anos, e nós, enquanto jovens com essa idade, na altura pensamos que somos capazes de tomar conta de nós. Mas agora vemos que não é bem assim. A vida é complicada, e para o meu pai e a minha mãe terá sido provavelmente a pior decisão da vida deles em termos emocionais.
Mas eu penso que no meu caso pessoal o final da história é feliz. Soube afastar-me das coisas más, soube procurar a felicidade, soube sofrer, e nunca fui nem iria pela via mais fácil na vida. Gosto de lutar pelas coisas, com sucesso ou sem ele sou uma pessoa que nunca vira a cara à luta e penso que essa é a melhor forma de retribuir aos meus pais esse sofrimento e essas viagens constantes a Lisboa para me ver e as facilidades não eram muitas. Os meus pais viveram sempre, como a maioria dos portugueses, com o dinheiro contado...
É um cantinho que eu guardo meu, algo que eu transporto da minha juventude, essa fase de separação dos meus pais é uma coisa que eu quero sempre me lembrar bem, como me estou a lembrar agora do que foi. Ajuda-me às vezes, nalguns momentos da minha vida, a tomar decisões e a ser um tipo de pessoa honrada e que pode olhar nos olhos de toda a gente porque se estou onde estou, se estou no Belenenses, foi porque lutei por isso.
BAM - Sem dúvida valeu a pena teres perseguido o teu sonho e depois do Benfica tiveste uma curta passagem pelo Salgueiros antes de ingressares no FC Porto. Nas Antas tiveste épocas melhores, outras piores, e acabaste nas épocas finais dessa tua passagem por seres emprestado primeiro ao Setúbal e depois ao Derby County de Inglaterra. De regresso a Portugal actuaste duas épocas no Braga até finalmente envergares a cruz de cristo ao peito.
Introduzo aqui uma pergunta de um associado, de seu nome O. Rodrigues:
“O que encontraste de diferente no Belenenses que te proporcionou o relançamento da carreira, o reconhecimento do teu imenso valor desportivo e a simpatia dos adeptos?”
Cândido Costa: Eu quando vim para o Belenenses tinha um propósito muito claro. Tinha estado dois anos no braga, na primeira época joguei com bastante regularidade, na segunda não tanto. Cheguei a um ponto que nem eu nem os responsáveis do braga nos sentíamos bem a trabalhar juntos.
Eu sabia que vir para o Belenenses seria para mim uma prova de fogo. Depois de ter sido uma das maiores promessas do futebol português aos 18, 20 anos, foi-me dada alguma credibilidade. Mantive-a quando fui para Inglaterra, onde joguei sempre e fui uma das figuras da equipa da altura. Braga tirou-me essa credibilidade, essa notoriedade, então eu sabia que o meu ingresso no Belenenses seria uma prova de fogo: ou seria a eterna promessa e nunca ia de facto ter consistência, ou não. Eu sabia, naquela altura que vim para o Belenenses, que tinha que escolher um clube com o qual eu me identificasse. Eu senti isso. E quando sai do braga tinha vários sítios para onde ir e só fui inscrito no último dia do período de inscrições por isso, por causa daquela confusão com o “caso Mateus”.
Eu apostei tanto no Belenenses – e não tenho problemas em dizer isto – que vim ganhar nem metade do que ganhava em Braga e vim no último dia de inscrições sujeito a ir para a 2ª divisão. Não havia certezas de que o Belenenses ficasse na 1ª divisão. Tinha mais um ano de contrato com braga e abdiquei do dinheiro porque senti que estava a fazer a aposta da minha vida. Sabia que tinha de vir para cá e dar o melhor de mim, e o melhor de mim sempre foi – mais do que as coisas saírem bem dentro de campo – eu sentir que as pessoas do Belenenses teriam que me reconhecer como na altura eu fui reconhecido no porto, por exemplo: um jogador à imagem do clube, um jogador que dá tudo, que é honesto, que dá prazer aos sócios ter alguém dentro de campo como o Cândido. E basicamente, foi isso que eu tentei encontrar no Restelo.
Quando cheguei cá, vi que tinha possibilidades de fazer isso, com o treinador que temos, com a massa associativa que tem o Belenenses, com a juventude que há, que adora o clube. Eu senti que estava perante um clube onde eu poderia ser outra vez o Cândido, que as pessoas gostam, acarinham e se sentem bem por eu vestir a sua camisola. Foi um bocado isso que eu procurei.
Senti também, com esta imagem que o treinador tem - que gosta do que faz, que é apaixonado, que vive para isto -, que estavam reunidas as condições para eu puder relançar a minha carreira.
BAM – De facto, apesar de te encontrares no Restelo há pouco mais de um ano, muitas vezes temos a sensação que jogas no Belenenses desde sempre, tal é a forma como vives o clube e como os sócios te acarinham. A pergunta do associado V. Paiva vai precisamente neste sentido: “O que sente ao envergar a camisola de um clube como o Belenenses, ao demonstrar uma grande vontade de vencer?”
O Belenenses actual – o Belenenses de Jorge Jesus – “tem” a tua cara, ou seja, é um clube humilde, generoso, combativo e, simultaneamente, geneticamente vitorioso, um clube que tem historicamente os genes da vitória?
Cândido Costa: Gosto muito. Eu não sou a melhor pessoa para falar da história do Belenenses porque não a sei em pormenor; sei alguma, não a sei toda. Tentando ver o clube aos olhos dum jogador qualquer – mesmo aquele jogador que chegou agora ao Restelo – fica claro que o Belenenses é um clube especial. Então vejamos: o Belenenses está situado numa zona em que mais nenhum clube oferece isso. Nenhum outro clube possibilita ao jogador trabalhar numa zona tão bonita como esta; é um clube cumpridor. É um clube que não deve nada aos jogadores, apesar de ter passado por um período complicado e ter descido desportivamente de divisão, ter tido esse processo complicado que mexe com tudo e mais alguma coisa. Não tem o estádio cheio, não tem casas cheias, mas eu sinto que, se o Belenenses fizer uma época como a que fez no ano passado, muita gente há-de querer vir novamente ao Belenenses. A gente às vezes conversa, por exemplo, como é possível contra o Bayern de Munique não termos enchido o estádio. Era o Bayern de Munique. Que outro clube mais forte poderá vir jogar ao Restelo?
BAM - Os jogadores tiveram noção dos preços dos bilhetes?
Cândido Costa: Era isso que eu ia dizer. A política que se calhar tem de ser adoptada é que mais vale, nesta fase, não olhar tanto ao lucro que um estádio mais ou menos cheio com bilhetes caros possa dar em termos monetários, mas ao que ao nível sentimental pode dizer aos belenenses ver o estádio cheio. O que é que iria significar mais: a gente aqui ter tido 6000/7000 pessoas no jogo com o Bayern de Munique a pagar 40 euros? Ou teria sido melhor ter o estádio cheio com os preços mais baratos? Teria sido melhor perder algum dinheiro – mesmo se fosse o caso – mas ganhar uma “fotografia” de um estádio cheio, acreditar que poderia ser sempre assim. Para aquele belenense – que é o teu caso – que vem sempre ao Restelo seja com quem for, nada iria dar mais convicção do que ter o estádio cheio, DE QUE é possível ter sempre o estádio cheio.
O que é que isso criou? Criou a imagem que nem Bayern de Munique enche o estádio. Para as pessoas que vêm cá todos os dias, é desanimador. E isto é marketing. Eu acho que o Belenenses tem de apostar mais no marketing, levar mais gente ao Restelo.
Não existe clube como este. Eu começo a perceber o que é um jovem que hoje é do Belenenses. Ser do Belenenses é um bocado ser da moda, porque ser do benfica ou do sporting é vulgar. Ser do Belenenses, e fundamentar porque se é do Belenenses, porque é que com dois clubes grandes aqui tão perto se escolheu ser do Belenenses, é magia. Tem que se ir por ai para cativar mais pessoas: Ser do Belenenses é ser diferente.
Que outro clube senão este conseguiria ainda estar vivo e com força ao lado do benfica e do sporting? Achas que o braga sobreviveria aqui? Achas que o Guimarães sobreviveria aqui, teria a força que tem a nível de sócios? Nunca na vida!
Digo isto a acreditar: é possível pôr mais gente, o Belenenses ter mais jovens, mais gente a aderir à Fúria Azul. Acho que é possível.
Estou aqui somente há pouco mais de ano, mas gostava de ver isto diferente. Às vezes estou a entrar para o aquecimento e estou a pensar como vai ficar a casa, se vai estar mais gente do que é habitual. Eu gosto de jogar com o estádio cheio. Com a minha forma de jogar isso é muito importante. Sentes carinho.
BAM – Não obstante teres apenas 26 anos (e o FC Porto ser o clube do teu coração desde criança) pensas puder vir a ser uma grande figura do Belenenses? À semelhança do Tuck ou do Figueira permanecer muitos anos no clube enquanto futebolista e depois continuar no Restelo noutra qualquer função?
Cândido Costa: A questão do pensar nisso é um bocado subjectiva. Eu não seria 100% coerente com o meu discurso se viesse aqui dizer que penso nisso ou não. A única coisa que eu quero de facto – e isso quero mesmo, independente de serem 2,3,4, 5 anos que eu permaneça aqui – é olhar as pessoas nos olhos sempre que cá voltar. Gostaria de ser sempre bem recebido e ser uma pessoa à qual ninguém tivesse nada que apontar. Nada melhor que as pessoas pensarem em mim enquanto um jogador que deu tudo pelo Belenenses e respeitou o Belenenses até ao último minuto. Agora estar ligar ao Belenenses ou não, isso... só o faria se o Belenenses quisesse.
BAM – Mas qual é a tua vontade? A pergunta do associado Tiago Valadas Pinho enquadrasse aqui na perfeição: “Cândido Costa, sentes uma emoção/paixão diferente, a jogar com a cruz de cristo ao peito do que a jogar com a camisola, por exemplo, do braga?”
Cândido Costa: Quero dizer isto: ainda não joguei num clube onde me identificasse mais do que com o Belenenses. Nem no porto, e nunca escondi – até por razões de origem – que a minha família foi sempre toda do porto, nasci portista e sou do porto. Dizer o contrário seria estar a ir contra milhares de pessoas que sabem isso. Fui sempre do porto, e quando estou a ver futebol e o porto está a jogar contra o benfica, quero que o porto ganhe. É esse o meu clubismo. Claro se eu jogar contra o porto pelo Belenenses, quem me dera a mim dar 15-0 a eles e acabar com olés. Sem dúvida. Aliás, não havia outra razão de ser.
Agora, clube com o qual eu me identifico mais, em que eu me sinta tão feliz em jogar e em representar nunca o senti como no Belenenses. A zona onde o clube está, o carinho que as pessoas me dão e o prazer que eu tenho em chegar aqui de manhã, antes do treino, a esta zona aqui do Restelo, nunca o consegui em clube nenhum.
O adepto do Belenenses é uma pessoa que sabe ver futebol, que respeita os jogadores quando são honestos. Nunca mais me esquecerei que no ano passado – e eu digo isto a muita gente, inclusive a outros jogadores -, depois do clube ter feito uma época anterior horrível, perdemos em casa nas primeiras jornadas e a malta levantou-se e bateu palmas à equipa. Nunca mais me esquecerei disso. São jogos que eu nunca mais vou esquecer. Nessa altura ninguém adivinhava que íamos fazer a época que fizemos. Isso para mim foi uma prova que na realidade o adepto do Belenenses quer honestidade, trabalho e que a equipa dignifique a camisola do Belenenses. Quer vitórias como todos os outros, mas ao verem estes aspectos que referi dentro de campo conseguem aceitar muito melhor a derrota quando comparada com aquelas derrotas em que se vê que a equipa esteve completamente sem alma e sem chama.
BAM – Avançando para outros assuntos: representaste a selecção nacional em 79 ocasiões, onde chegaste a ser campeão europeu de sub-16.
Citando as tuas palavras, na selecção nacional “não há cor clubistica, não há contratos, não há interesses, apenas a vontade de dar o melhor pela nossa pátria”’
Aproveito para lançar a pergunta do sócio 4720: “Alimentas o sonho de regressar a selecção?”
Cândido Costa: Sem dúvida. Seja a lateral direito, a extremo direito, seja onde for, alimento esse sonho e gostava de um dia ser convocado para a selecção nacional.
BAM – Se actuasses a lateral esquerdo seria mais fácil...
Cândido Costa: Mas o pé esquerdo só para subir o eléctrico... Mas claro que alimento esse sonho. Até pelo meu feitio, tenho sempre que acreditar em alguma coisa.
BAM – Antes de abordarmos o futuro belenense, gostaria de recordar um pouco a época passada.
Quando chegaste ao clube – no contexto do “caso Mateus”, e tudo o mais - imaginaste ser possível uma classificação europeia e uma presença na final da taça de Portugal?
Como vias o Belenenses antes de aqui chegares, e como o vês agora?
Cândido Costa: É como te digo. Quando vim para cá sabia em que situação estava o Belenenses mas também sabia o que é o Belenenses e a sua força. Sabia que o Belenenses estava fragilizado, tinha descido de divisão, tinha tido uma época menos boa, mas sabia se calhar que essa era a altura perfeita para entrar no clube, porque se calhar a minha força, a minha maneira de ser, iria também dar alguma coisa ao balneário, aos meus colegas. Penso que consegui isso. Dentro de campo e fora dele, eu tenho tido a minha quota parte no sucesso e no insucesso. Sei, e se por acaso conversares acerca disto com os meus colegas, se perguntares isso de mim, que todos vão responder que eu sou uma mais valia em termos de força anímica, de grupo, de incutir espírito. E isso para mim é o máximo que me podem reconhecer, é sentirem que eu estou aqui de corpo e corpo. Para mim é a melhor satisfação que me podem dar nos treinos todos os dias é haver, jogando ou não jogando, ligação com os meus colegas, eles sentirem que eu estou com eles, com o clube, que o interesse é ganhar e fazer uma boa época.
BAM – Recordando ainda a presença do Belenenses na grande final do Jamor, um dos aspectos mais marcantes – pelo menos do ponto de vista de um adepto – foi o mar azul que invadiu as bancadas do estádio nacional. Como te sentes ao entrar num estádio do Restelo quase sempre vazio, sabendo que o Belenenses tem imensos adeptos um pouco por todo o país? Já afloramos este tema, mas gostava de desenvolvê-lo um pouco mais.
Cândido Costa: Aproveito teres falado da final da taça para dizer que foi a maior desilusão da minha vida. Temos perdido aquele jogo foi a maior desilusão da minha vida. O percurso foi tão lindo a meu ver, e se calhar mais para mim do que para ninguém, teve um sabor especial. O braga ter vindo cá e termos os eliminado, termos ido a Bragança e estamos a perder 1:0 quando faltava 14 minutos para o fim do jogo, há uma bola que está quase a sair na linha e eu mandei-me de carrinho – a bola já estava meio fora – e fizemos o golo do empate. Para mim termos apanhado quatro em Alvalade e a seguir tínhamos a final da taça, todo o filme do jogo estava-se a adivinhar para acabar em glória, e aquele cruzamento do Veloso e o golo do Liedson foi como quem me matou. Nas férias, aquele lance passou-me para ai 200 mil vezes pela cabeça. O que é que se poderia ter feito para evitar aquilo? Foi a maior desilusão da minha vida. Tinha o filme já todo imaginado, com a taça, como é que iria ser a festa... Seria o culminar de uma época, que não deixou de boa, mas foi um minuto de pura tristeza...
BAM – Olhemos agora para a presente época. Depois de uma excelente pré-época, o Belenenses teve um início de liga algo nervoso, situação aparentemente já ultrapassada. Como avalias estes dois momentos? O primeiro, menos bom, é explicável pelo facto de se tratar de período natural de adaptação para os novos jogadores?
Cândido Costa: Penso que o Belenenses está mais maduro, está uma equipa mais madura. Independentemente de termos começado com alguns resultados menos bons, penso que o Belenenses hoje é uma equipa mais madura. Manteve a estrutura do ano passado e é uma equipa mais “manhosa”. Penso que os reforços que vieram vão se entrosando ao ritmo e ao conhecimento que os jogadores já tinham entre si no ano passado, que foram ganhando no decorrer da época. Bastava olhar uns para os outros e sabíamos o que é que cada um estava a fazer dentro de campo. E isso está-se a começar a ver: o espírito que é preciso para jogar nesta equipa, no fundo todo aquele trabalho que o Jorge Jesus fez para criar um grupo forte, com identidade. O tempo que se deu no início da época passada é preciso dá-lo agora também aos que chegaram. Perdemos jogadores fundamentais na nossa manobra ofensiva e também defensiva, na manobra da equipa como um todo. O Nivaldo era importante lá atrás, tinha aquela presença dele de “machão”; era preciso compensar isto também, pormos ali alguém, os que ficaram encontrarem isso entre nós. Tínhamos muitas jogadas combinadas com o Nivaldo, e com outros jogadores da equipa. O Dady, a dada altura, começou a ser importantíssimo, uma peça fundamental em termos ofensivos – nós tínhamos muitas jogadas combinadas com o Dady.
Vieram outros, e foi preciso também apreender a sua maneira de jogar, e eles a nossa, habituarem-se às ideias de Jorge Jesus que é exigente, que é uma pessoa muito apaixonada por isto. É preciso ter um tempo de adaptação, perceber que aqui não se brinca: isto aqui é a 200%, é sempre a dar, treinos, jogos, treinos, jogos, não se pode adormecer um minuto. E nós na época passada captámos isso, embalamos em vitórias, vimos que esta fórmula resultava, acreditamos no que o treinador dizia, enfim, pensamos que, se fizermos isto, a gente ganha. E isso foi o que nos levou a ser uma equipa forte. E este ano, penso que os que chegaram também já estão a acreditar, já estão a acreditar que tem de ser assim, que não há volta a dar. Tem de ser a 200 à hora, para trás e para a frente, ajudarmo-nos uns aos outros. Só assim é que o Belenenses ganha. Não podemos viver à sombra de um “maradona”, de um jogador que pegue na bola e que faça desequilíbrios sozinho. Tem de ser o grupo, tem de ser a união, cada um conseguir pôr as suas qualidades ao dispor da equipa, dar-lhe todo o seu potencial. Acho que a equipa está a começar a entrar nesse caminho.
BAM – Tiveste a infelicidade de te lesionares num jogo muito importante. Como foi sofrer por fora nos restantes 75 minutos frente ao Bayern? Pergunta do associado 4720: “Que sentiu ao ter que ser substituído, por lesão, no jogo com o Bayern? De fora, sentiu que a equipa podia anular a desvantagem trazida de Munique?”
Cândido Costa: Acreditei, e com a primeira parte que a gente fez fiquei convicto que se ia fazer história. Os jogadores do Bayern têm uma experiência muito grande nestas andanças, e a bola muito perto da baliza deles não é golo por isso é indiferente; têm uma capacidade de análise grande e são muitos frios. Para nós, quando uma bola passa pertinho dos postes, já empolgamos, já achamos que irá ser possível enquanto os jogadores do Bayern apresentam uma grande frieza dentro de campo e parece que não foi nada com eles, parece que não se enervam pelo ambiente.
Senti que na primeira parte estávamos a crescer, estávamos a aparecer algumas vezes com perigo, enquanto os alemães continuavam naquela toada deles lenta, a gerir o 1:0 de Munique. De vez em quando aceleravam...
Têm muita experiência a nível europeu, sabiam que são duas mãos, sabiam que vinham com vantagem, sabiam o que é que vinham encontrar aqui, uma equipa mais pequena que eles a querer muito ganhar, sabiam que os primeiros minutos iam ser importantes para eles e acabaram por gerir o jogo.
Mas penso que nós tivemos o nosso momento, tivemos a nossa estrelinha que poderíamos ter tombado o gigante. Não aconteceu e fiquei muito triste: triste pela derrota, triste porque me lesionei – detesto quando me lesiono (nota: O Cândido Costa já recuperou quase completamente da lesão e, segundo as suas palavras, poderá alinhar sem limitações frente à Académica.
Amanhã, Terça-Feira, o seu blog publicará a segunda parte da grande entrevista exclusiva com Cândido Costa. A não perder.
Mais do que o entrevistador, o entrevistado é chave do sucesso de qualquer entrevista. O número 27 belenense é um conversador nato e, mais importante, o seu olhar brilha quando fala do Belenenses. Perante tais predicados, aquilo que era uma entrevista – sempre com um certo grau de formalismo – transformou-se em algo que facilmente poderemos classificar de (longa) conversa entre dois belenenses que vibram e que pensam o clube para lá dos aspectos meramente futebolísticos.
Quanto aos agradecimentos, o primeiro terá forçosamente que ter como destino o Cândido Costa, ficando reservados os restantes para todos os leitores do Belém até Morrer que expressaram perguntas ao jogador e transformaram esta entrevista em algo mais abrangente e interactivo .
Belém até Morrer - Iniciaste a tua carreira no clube da terra natal, a Sanjoanense, com apenas sete anos de idade. Pode-se dizer que nasceste para ser futebolista ou, pelo contrário, foi apenas um acaso (sei que também jogaste hóquei em patins quando eras mais novo)? Que história está por detrás do teu nascimento para o futebol?
Cândido Costa: Foi de facto assim. Comecei a jogar futebol na Sanjoanense aos sete anos, foi o meu pai que me levou lá às camadas jovens. De resto foi tudo normal, tal como os jogadores que começam hoje passei por treinos de captação e essas coisas. Não foi com essa idade – apesar da vontade que tinha de jogar futebol – que achei que tinha alguma particularidade diferente, que queria ser jogador profissional. Talvez a pessoa mais importante terá sido o pai, que sempre acreditou, que sempre achou que eu iria ser jogador de futebol, que eu iria dar nas vistas. Foi um percurso normal como o de tantos outros jovens.
BAM - E como foi a tua história enquanto hoquista?
Cândido Costa: Na altura andava um bocado a descobrir aquilo em que eu pudesse ser bom, e o meu pai levou-me a um treino de hóquei, também na Sanjoanense. Foi uma barracada (risos). Fazia carrinhos aos outros jogadores porque transportava um bocado a ideia do futebol que era o desporto que acompanhava mais, e então dava grandes porradas. Acabaram por dizer ao meu pai que eu não podia treinar lá mais. Mandaram-me para o futebol...
BAM - Entretanto, aos 15 anos, ainda enquanto juvenil, ingressaste no Benfica, ou seja, tiveste de abandonar São João da Madeira e vir viver para uma grande cidade como é Lisboa. Como encaraste este enorme salto na tua vida? Foste obrigado a “crescer” demasiado depressa?
Cândido Costa: Eu sou uma pessoa – se hoje ainda o sou, na altura era ainda muito mais – muito apegada à minha família, aos meus irmãos e aos meus pais, tenho a relação que acho que toda a gente deveria ter com os pais. Sou amigo deles, e eles são meus amigos também e na altura custou-me muito separar-me do meu meio familiar, da minha terrinha. Obrigou-me a crescer rápido, aquilo que os jovens normalmente têm um período maior para sofrer essas coisas da vida, as desilusões, as experiências, eu vivi tudo muito rápido. Quando vim para Lisboa viver ia fazer 15 anos, e nunca tinha bebido uma cerveja na minha vida, por exemplo, representava mesmo aquela ideia que se tem do jovem da terrinha, saído da saia da mãe; eu era um bocado assim. Quando vim para cá tive que me virar sozinho mas isso também me fortaleceu, também me deu uma visão e um querer que isso valesse a pena, que mais tarde fosse recordado como algo que valeu a pena. Penso que também dai vem um bocado a minha personalidade, o ter crescido rápido e sozinho até conhecer, aos 17 anos, aqui em Lisboa, a rapariga que viria a ser a minha esposa. Foi um período um bocado complicado para mim, também tive uma lesão grave, em que tive de apelar ao meu espírito de guerreiro sem dúvida.
BAM - Como foram aquelas primeiras noites num ambiente estranho, sem conhecer ninguém...
Cândido Costa: Complicadíssimas. Escrevia cartas à minha família, ao meu pai, foi um período em que eu vi o preço que se paga em querer ser jogador de futebol e nestas idades ter que abdicar de algumas coisas. Sentia falta de tudo, dos meus colegas da altura da escola, do meu meio, de onde tinha nascido, das minhas brincadeiras no meu bairro. Foi um período que mexeu e que ainda hoje mexe. Foi um vazio muito grande que ficou.
BAM - Enquanto pai (nota: o Cândido tem dois filhos) como encararias a situação dos teus filhos irem jogar para uma cidade a quase 300 quilómetros de distância, fossem morar para longe de ti, completamente sozinhos. E hoje em dia isso acontece com crianças mais pequenas, 13, 14 anos de idade, que até podem ser de um país diferente, e vão para as grandes cidades para jogar futebol sem terem qualquer certeza que irão vingar, que seguirão a carreira de futebolista... Como pai, como verias uma situação dessas.
Cândido Costa: É muito difícil. Eu na altura não tinha a consciência daquilo que os meus pais estavam a sofrer... este um tema muito complicado para eu falar. Na altura não tinha essa consciência, e agora tenho uma ideia muito exacta do que seria deixar um filho ir à procura de um sonho para longe de nós. A gente cria os filhos, e tenta lhes dar tudo e depois de repente eles saem de casa com 14 anos, e nós, enquanto jovens com essa idade, na altura pensamos que somos capazes de tomar conta de nós. Mas agora vemos que não é bem assim. A vida é complicada, e para o meu pai e a minha mãe terá sido provavelmente a pior decisão da vida deles em termos emocionais.
Mas eu penso que no meu caso pessoal o final da história é feliz. Soube afastar-me das coisas más, soube procurar a felicidade, soube sofrer, e nunca fui nem iria pela via mais fácil na vida. Gosto de lutar pelas coisas, com sucesso ou sem ele sou uma pessoa que nunca vira a cara à luta e penso que essa é a melhor forma de retribuir aos meus pais esse sofrimento e essas viagens constantes a Lisboa para me ver e as facilidades não eram muitas. Os meus pais viveram sempre, como a maioria dos portugueses, com o dinheiro contado...
É um cantinho que eu guardo meu, algo que eu transporto da minha juventude, essa fase de separação dos meus pais é uma coisa que eu quero sempre me lembrar bem, como me estou a lembrar agora do que foi. Ajuda-me às vezes, nalguns momentos da minha vida, a tomar decisões e a ser um tipo de pessoa honrada e que pode olhar nos olhos de toda a gente porque se estou onde estou, se estou no Belenenses, foi porque lutei por isso.
BAM - Sem dúvida valeu a pena teres perseguido o teu sonho e depois do Benfica tiveste uma curta passagem pelo Salgueiros antes de ingressares no FC Porto. Nas Antas tiveste épocas melhores, outras piores, e acabaste nas épocas finais dessa tua passagem por seres emprestado primeiro ao Setúbal e depois ao Derby County de Inglaterra. De regresso a Portugal actuaste duas épocas no Braga até finalmente envergares a cruz de cristo ao peito.
Introduzo aqui uma pergunta de um associado, de seu nome O. Rodrigues:
“O que encontraste de diferente no Belenenses que te proporcionou o relançamento da carreira, o reconhecimento do teu imenso valor desportivo e a simpatia dos adeptos?”
Cândido Costa: Eu quando vim para o Belenenses tinha um propósito muito claro. Tinha estado dois anos no braga, na primeira época joguei com bastante regularidade, na segunda não tanto. Cheguei a um ponto que nem eu nem os responsáveis do braga nos sentíamos bem a trabalhar juntos.
Eu sabia que vir para o Belenenses seria para mim uma prova de fogo. Depois de ter sido uma das maiores promessas do futebol português aos 18, 20 anos, foi-me dada alguma credibilidade. Mantive-a quando fui para Inglaterra, onde joguei sempre e fui uma das figuras da equipa da altura. Braga tirou-me essa credibilidade, essa notoriedade, então eu sabia que o meu ingresso no Belenenses seria uma prova de fogo: ou seria a eterna promessa e nunca ia de facto ter consistência, ou não. Eu sabia, naquela altura que vim para o Belenenses, que tinha que escolher um clube com o qual eu me identificasse. Eu senti isso. E quando sai do braga tinha vários sítios para onde ir e só fui inscrito no último dia do período de inscrições por isso, por causa daquela confusão com o “caso Mateus”.
Eu apostei tanto no Belenenses – e não tenho problemas em dizer isto – que vim ganhar nem metade do que ganhava em Braga e vim no último dia de inscrições sujeito a ir para a 2ª divisão. Não havia certezas de que o Belenenses ficasse na 1ª divisão. Tinha mais um ano de contrato com braga e abdiquei do dinheiro porque senti que estava a fazer a aposta da minha vida. Sabia que tinha de vir para cá e dar o melhor de mim, e o melhor de mim sempre foi – mais do que as coisas saírem bem dentro de campo – eu sentir que as pessoas do Belenenses teriam que me reconhecer como na altura eu fui reconhecido no porto, por exemplo: um jogador à imagem do clube, um jogador que dá tudo, que é honesto, que dá prazer aos sócios ter alguém dentro de campo como o Cândido. E basicamente, foi isso que eu tentei encontrar no Restelo.
Quando cheguei cá, vi que tinha possibilidades de fazer isso, com o treinador que temos, com a massa associativa que tem o Belenenses, com a juventude que há, que adora o clube. Eu senti que estava perante um clube onde eu poderia ser outra vez o Cândido, que as pessoas gostam, acarinham e se sentem bem por eu vestir a sua camisola. Foi um bocado isso que eu procurei.
Senti também, com esta imagem que o treinador tem - que gosta do que faz, que é apaixonado, que vive para isto -, que estavam reunidas as condições para eu puder relançar a minha carreira.
BAM – De facto, apesar de te encontrares no Restelo há pouco mais de um ano, muitas vezes temos a sensação que jogas no Belenenses desde sempre, tal é a forma como vives o clube e como os sócios te acarinham. A pergunta do associado V. Paiva vai precisamente neste sentido: “O que sente ao envergar a camisola de um clube como o Belenenses, ao demonstrar uma grande vontade de vencer?”
O Belenenses actual – o Belenenses de Jorge Jesus – “tem” a tua cara, ou seja, é um clube humilde, generoso, combativo e, simultaneamente, geneticamente vitorioso, um clube que tem historicamente os genes da vitória?
Cândido Costa: Gosto muito. Eu não sou a melhor pessoa para falar da história do Belenenses porque não a sei em pormenor; sei alguma, não a sei toda. Tentando ver o clube aos olhos dum jogador qualquer – mesmo aquele jogador que chegou agora ao Restelo – fica claro que o Belenenses é um clube especial. Então vejamos: o Belenenses está situado numa zona em que mais nenhum clube oferece isso. Nenhum outro clube possibilita ao jogador trabalhar numa zona tão bonita como esta; é um clube cumpridor. É um clube que não deve nada aos jogadores, apesar de ter passado por um período complicado e ter descido desportivamente de divisão, ter tido esse processo complicado que mexe com tudo e mais alguma coisa. Não tem o estádio cheio, não tem casas cheias, mas eu sinto que, se o Belenenses fizer uma época como a que fez no ano passado, muita gente há-de querer vir novamente ao Belenenses. A gente às vezes conversa, por exemplo, como é possível contra o Bayern de Munique não termos enchido o estádio. Era o Bayern de Munique. Que outro clube mais forte poderá vir jogar ao Restelo?
BAM - Os jogadores tiveram noção dos preços dos bilhetes?
Cândido Costa: Era isso que eu ia dizer. A política que se calhar tem de ser adoptada é que mais vale, nesta fase, não olhar tanto ao lucro que um estádio mais ou menos cheio com bilhetes caros possa dar em termos monetários, mas ao que ao nível sentimental pode dizer aos belenenses ver o estádio cheio. O que é que iria significar mais: a gente aqui ter tido 6000/7000 pessoas no jogo com o Bayern de Munique a pagar 40 euros? Ou teria sido melhor ter o estádio cheio com os preços mais baratos? Teria sido melhor perder algum dinheiro – mesmo se fosse o caso – mas ganhar uma “fotografia” de um estádio cheio, acreditar que poderia ser sempre assim. Para aquele belenense – que é o teu caso – que vem sempre ao Restelo seja com quem for, nada iria dar mais convicção do que ter o estádio cheio, DE QUE é possível ter sempre o estádio cheio.
O que é que isso criou? Criou a imagem que nem Bayern de Munique enche o estádio. Para as pessoas que vêm cá todos os dias, é desanimador. E isto é marketing. Eu acho que o Belenenses tem de apostar mais no marketing, levar mais gente ao Restelo.
Não existe clube como este. Eu começo a perceber o que é um jovem que hoje é do Belenenses. Ser do Belenenses é um bocado ser da moda, porque ser do benfica ou do sporting é vulgar. Ser do Belenenses, e fundamentar porque se é do Belenenses, porque é que com dois clubes grandes aqui tão perto se escolheu ser do Belenenses, é magia. Tem que se ir por ai para cativar mais pessoas: Ser do Belenenses é ser diferente.
Que outro clube senão este conseguiria ainda estar vivo e com força ao lado do benfica e do sporting? Achas que o braga sobreviveria aqui? Achas que o Guimarães sobreviveria aqui, teria a força que tem a nível de sócios? Nunca na vida!
Digo isto a acreditar: é possível pôr mais gente, o Belenenses ter mais jovens, mais gente a aderir à Fúria Azul. Acho que é possível.
Estou aqui somente há pouco mais de ano, mas gostava de ver isto diferente. Às vezes estou a entrar para o aquecimento e estou a pensar como vai ficar a casa, se vai estar mais gente do que é habitual. Eu gosto de jogar com o estádio cheio. Com a minha forma de jogar isso é muito importante. Sentes carinho.
BAM – Não obstante teres apenas 26 anos (e o FC Porto ser o clube do teu coração desde criança) pensas puder vir a ser uma grande figura do Belenenses? À semelhança do Tuck ou do Figueira permanecer muitos anos no clube enquanto futebolista e depois continuar no Restelo noutra qualquer função?
Cândido Costa: A questão do pensar nisso é um bocado subjectiva. Eu não seria 100% coerente com o meu discurso se viesse aqui dizer que penso nisso ou não. A única coisa que eu quero de facto – e isso quero mesmo, independente de serem 2,3,4, 5 anos que eu permaneça aqui – é olhar as pessoas nos olhos sempre que cá voltar. Gostaria de ser sempre bem recebido e ser uma pessoa à qual ninguém tivesse nada que apontar. Nada melhor que as pessoas pensarem em mim enquanto um jogador que deu tudo pelo Belenenses e respeitou o Belenenses até ao último minuto. Agora estar ligar ao Belenenses ou não, isso... só o faria se o Belenenses quisesse.
BAM – Mas qual é a tua vontade? A pergunta do associado Tiago Valadas Pinho enquadrasse aqui na perfeição: “Cândido Costa, sentes uma emoção/paixão diferente, a jogar com a cruz de cristo ao peito do que a jogar com a camisola, por exemplo, do braga?”
Cândido Costa: Quero dizer isto: ainda não joguei num clube onde me identificasse mais do que com o Belenenses. Nem no porto, e nunca escondi – até por razões de origem – que a minha família foi sempre toda do porto, nasci portista e sou do porto. Dizer o contrário seria estar a ir contra milhares de pessoas que sabem isso. Fui sempre do porto, e quando estou a ver futebol e o porto está a jogar contra o benfica, quero que o porto ganhe. É esse o meu clubismo. Claro se eu jogar contra o porto pelo Belenenses, quem me dera a mim dar 15-0 a eles e acabar com olés. Sem dúvida. Aliás, não havia outra razão de ser.
Agora, clube com o qual eu me identifico mais, em que eu me sinta tão feliz em jogar e em representar nunca o senti como no Belenenses. A zona onde o clube está, o carinho que as pessoas me dão e o prazer que eu tenho em chegar aqui de manhã, antes do treino, a esta zona aqui do Restelo, nunca o consegui em clube nenhum.
O adepto do Belenenses é uma pessoa que sabe ver futebol, que respeita os jogadores quando são honestos. Nunca mais me esquecerei que no ano passado – e eu digo isto a muita gente, inclusive a outros jogadores -, depois do clube ter feito uma época anterior horrível, perdemos em casa nas primeiras jornadas e a malta levantou-se e bateu palmas à equipa. Nunca mais me esquecerei disso. São jogos que eu nunca mais vou esquecer. Nessa altura ninguém adivinhava que íamos fazer a época que fizemos. Isso para mim foi uma prova que na realidade o adepto do Belenenses quer honestidade, trabalho e que a equipa dignifique a camisola do Belenenses. Quer vitórias como todos os outros, mas ao verem estes aspectos que referi dentro de campo conseguem aceitar muito melhor a derrota quando comparada com aquelas derrotas em que se vê que a equipa esteve completamente sem alma e sem chama.
BAM – Avançando para outros assuntos: representaste a selecção nacional em 79 ocasiões, onde chegaste a ser campeão europeu de sub-16.
Citando as tuas palavras, na selecção nacional “não há cor clubistica, não há contratos, não há interesses, apenas a vontade de dar o melhor pela nossa pátria”’
Aproveito para lançar a pergunta do sócio 4720: “Alimentas o sonho de regressar a selecção?”
Cândido Costa: Sem dúvida. Seja a lateral direito, a extremo direito, seja onde for, alimento esse sonho e gostava de um dia ser convocado para a selecção nacional.
BAM – Se actuasses a lateral esquerdo seria mais fácil...
Cândido Costa: Mas o pé esquerdo só para subir o eléctrico... Mas claro que alimento esse sonho. Até pelo meu feitio, tenho sempre que acreditar em alguma coisa.
BAM – Antes de abordarmos o futuro belenense, gostaria de recordar um pouco a época passada.
Quando chegaste ao clube – no contexto do “caso Mateus”, e tudo o mais - imaginaste ser possível uma classificação europeia e uma presença na final da taça de Portugal?
Como vias o Belenenses antes de aqui chegares, e como o vês agora?
Cândido Costa: É como te digo. Quando vim para cá sabia em que situação estava o Belenenses mas também sabia o que é o Belenenses e a sua força. Sabia que o Belenenses estava fragilizado, tinha descido de divisão, tinha tido uma época menos boa, mas sabia se calhar que essa era a altura perfeita para entrar no clube, porque se calhar a minha força, a minha maneira de ser, iria também dar alguma coisa ao balneário, aos meus colegas. Penso que consegui isso. Dentro de campo e fora dele, eu tenho tido a minha quota parte no sucesso e no insucesso. Sei, e se por acaso conversares acerca disto com os meus colegas, se perguntares isso de mim, que todos vão responder que eu sou uma mais valia em termos de força anímica, de grupo, de incutir espírito. E isso para mim é o máximo que me podem reconhecer, é sentirem que eu estou aqui de corpo e corpo. Para mim é a melhor satisfação que me podem dar nos treinos todos os dias é haver, jogando ou não jogando, ligação com os meus colegas, eles sentirem que eu estou com eles, com o clube, que o interesse é ganhar e fazer uma boa época.
BAM – Recordando ainda a presença do Belenenses na grande final do Jamor, um dos aspectos mais marcantes – pelo menos do ponto de vista de um adepto – foi o mar azul que invadiu as bancadas do estádio nacional. Como te sentes ao entrar num estádio do Restelo quase sempre vazio, sabendo que o Belenenses tem imensos adeptos um pouco por todo o país? Já afloramos este tema, mas gostava de desenvolvê-lo um pouco mais.
Cândido Costa: Aproveito teres falado da final da taça para dizer que foi a maior desilusão da minha vida. Temos perdido aquele jogo foi a maior desilusão da minha vida. O percurso foi tão lindo a meu ver, e se calhar mais para mim do que para ninguém, teve um sabor especial. O braga ter vindo cá e termos os eliminado, termos ido a Bragança e estamos a perder 1:0 quando faltava 14 minutos para o fim do jogo, há uma bola que está quase a sair na linha e eu mandei-me de carrinho – a bola já estava meio fora – e fizemos o golo do empate. Para mim termos apanhado quatro em Alvalade e a seguir tínhamos a final da taça, todo o filme do jogo estava-se a adivinhar para acabar em glória, e aquele cruzamento do Veloso e o golo do Liedson foi como quem me matou. Nas férias, aquele lance passou-me para ai 200 mil vezes pela cabeça. O que é que se poderia ter feito para evitar aquilo? Foi a maior desilusão da minha vida. Tinha o filme já todo imaginado, com a taça, como é que iria ser a festa... Seria o culminar de uma época, que não deixou de boa, mas foi um minuto de pura tristeza...
BAM – Olhemos agora para a presente época. Depois de uma excelente pré-época, o Belenenses teve um início de liga algo nervoso, situação aparentemente já ultrapassada. Como avalias estes dois momentos? O primeiro, menos bom, é explicável pelo facto de se tratar de período natural de adaptação para os novos jogadores?
Cândido Costa: Penso que o Belenenses está mais maduro, está uma equipa mais madura. Independentemente de termos começado com alguns resultados menos bons, penso que o Belenenses hoje é uma equipa mais madura. Manteve a estrutura do ano passado e é uma equipa mais “manhosa”. Penso que os reforços que vieram vão se entrosando ao ritmo e ao conhecimento que os jogadores já tinham entre si no ano passado, que foram ganhando no decorrer da época. Bastava olhar uns para os outros e sabíamos o que é que cada um estava a fazer dentro de campo. E isso está-se a começar a ver: o espírito que é preciso para jogar nesta equipa, no fundo todo aquele trabalho que o Jorge Jesus fez para criar um grupo forte, com identidade. O tempo que se deu no início da época passada é preciso dá-lo agora também aos que chegaram. Perdemos jogadores fundamentais na nossa manobra ofensiva e também defensiva, na manobra da equipa como um todo. O Nivaldo era importante lá atrás, tinha aquela presença dele de “machão”; era preciso compensar isto também, pormos ali alguém, os que ficaram encontrarem isso entre nós. Tínhamos muitas jogadas combinadas com o Nivaldo, e com outros jogadores da equipa. O Dady, a dada altura, começou a ser importantíssimo, uma peça fundamental em termos ofensivos – nós tínhamos muitas jogadas combinadas com o Dady.
Vieram outros, e foi preciso também apreender a sua maneira de jogar, e eles a nossa, habituarem-se às ideias de Jorge Jesus que é exigente, que é uma pessoa muito apaixonada por isto. É preciso ter um tempo de adaptação, perceber que aqui não se brinca: isto aqui é a 200%, é sempre a dar, treinos, jogos, treinos, jogos, não se pode adormecer um minuto. E nós na época passada captámos isso, embalamos em vitórias, vimos que esta fórmula resultava, acreditamos no que o treinador dizia, enfim, pensamos que, se fizermos isto, a gente ganha. E isso foi o que nos levou a ser uma equipa forte. E este ano, penso que os que chegaram também já estão a acreditar, já estão a acreditar que tem de ser assim, que não há volta a dar. Tem de ser a 200 à hora, para trás e para a frente, ajudarmo-nos uns aos outros. Só assim é que o Belenenses ganha. Não podemos viver à sombra de um “maradona”, de um jogador que pegue na bola e que faça desequilíbrios sozinho. Tem de ser o grupo, tem de ser a união, cada um conseguir pôr as suas qualidades ao dispor da equipa, dar-lhe todo o seu potencial. Acho que a equipa está a começar a entrar nesse caminho.
BAM – Tiveste a infelicidade de te lesionares num jogo muito importante. Como foi sofrer por fora nos restantes 75 minutos frente ao Bayern? Pergunta do associado 4720: “Que sentiu ao ter que ser substituído, por lesão, no jogo com o Bayern? De fora, sentiu que a equipa podia anular a desvantagem trazida de Munique?”
Cândido Costa: Acreditei, e com a primeira parte que a gente fez fiquei convicto que se ia fazer história. Os jogadores do Bayern têm uma experiência muito grande nestas andanças, e a bola muito perto da baliza deles não é golo por isso é indiferente; têm uma capacidade de análise grande e são muitos frios. Para nós, quando uma bola passa pertinho dos postes, já empolgamos, já achamos que irá ser possível enquanto os jogadores do Bayern apresentam uma grande frieza dentro de campo e parece que não foi nada com eles, parece que não se enervam pelo ambiente.
Senti que na primeira parte estávamos a crescer, estávamos a aparecer algumas vezes com perigo, enquanto os alemães continuavam naquela toada deles lenta, a gerir o 1:0 de Munique. De vez em quando aceleravam...
Têm muita experiência a nível europeu, sabiam que são duas mãos, sabiam que vinham com vantagem, sabiam o que é que vinham encontrar aqui, uma equipa mais pequena que eles a querer muito ganhar, sabiam que os primeiros minutos iam ser importantes para eles e acabaram por gerir o jogo.
Mas penso que nós tivemos o nosso momento, tivemos a nossa estrelinha que poderíamos ter tombado o gigante. Não aconteceu e fiquei muito triste: triste pela derrota, triste porque me lesionei – detesto quando me lesiono (nota: O Cândido Costa já recuperou quase completamente da lesão e, segundo as suas palavras, poderá alinhar sem limitações frente à Académica.
Amanhã, Terça-Feira, o seu blog publicará a segunda parte da grande entrevista exclusiva com Cândido Costa. A não perder.
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