O Tereza Herrera, a Uefa, e a internacionalidade belenense.



O Belenenses inspira, em muitas ocasiões, sentimentos contraditórios.

A massa adepta azul é das mais exigentes do país; ao invés, é também das menos participativas, das menos presentes em sua casa, no Estádio do Restelo.

Todos os belenenses sonham em ser novamente campeões: esta realidade é tão inegável como legitima. Se esta aspiração é oriunda da cabeça ou do coração? Temos que responder que, infelizmente, provém sobretudo do coração, DE corações azuis...

E estes tais corações azuis são muitos: muitos mais dos que a partida julgamos. Para o bem e para mal, o belenensismo não acaba nas bancadas do Restelo (muito pelo contrário).
Quem, como nós, teve a oportunidade e a felicidade de acompanhar o Belenenses por todo o país - continente e regiões autónomas -, quem como nós já sentiu no estrangeiro o amor que os emigrantes belenenses nutrem pelo seu clube, sabe que o Belenenses é grande, tão grande em termos históricos como em termos humanos.

É tempo de, infelizmente diria, esquecer um pouco o coração - o tal que é azul - e escrever algumas linhas com a cabeça. Necessariamente serão palavras menos emotivas, menos sonhadoras, mas não, apesar das aparências, menos apaixonadas.

O Belenenses tem em média cerca de 1500/2000 espectadores belenenses nos jogos que realiza no Restelo. Fora de sua casa, este número transforma-se em 200, 100, 50...

O seu orçamento para o futebol ronda nesta época, tal como na passada, os 5 milhões de euros. Destes, somente 12% provêm de quotizações, representando as receitas do bingo mais de 60%.

As fontes de receita azuis são pequenas e, sobretudo, pouco diversificadas (poderíamos agora regressar à questão do projecto imobiliário, mas intencionalmente vamos-nos abstrair de tal tentação).

Não resistimos a citar livremente uma história que ouvimos de um realizador de cinema português que se deslocou a um grande festival internacional. Questionado acerca do orçamento do seu filme, o senhor respondeu com naturalidade que se situava nos 30.000 contos. Por lapso, a tradução destas palavras decaduplicou esta quantia, tendo sido referidos não os 30.000 contos, mas sim 300 mil. Ainda assim, a reacção da plateia traduziu-se em sorrisos generalizados. Parecia-lhes impossível fazer um filme somente com 300 mil contos! Como teria sido a sua reacção se a tradução tivesse sido correcta? Certamente que os 30 mil contos lhes teria soado em jeito de anedota.

Amanhã, na Corunha, disputar-se-á o 8º embate da história de 2 grandes ibéricos: o Belenenses e o Real Madrid.
Transportando a história do realizador para a realidade futebolística internacional, como reagiria a Espanha do futebol aos 5 milhões de euros do orçamento azul?

Certamente também com sorrisos...

Subdividindo o orçamento anual merengue em dias, 5 milhões representaria o quê: o bastante para um mês, 15 dias, uma semana?Menos?

Claro que o Real Madrid é um colosso mundial, um dos clubes mais ricos do mundo e tudo o mais. Sabemos isso...

Justificando o título que demos a este desabafar de Alma, se perdêssemos algum tempo em redor dos orçamentos de diversos clubes europeus de expressão média (algo que não fizemos por ser inútil), verificaríamos que ainda assim o orçamento belenense é incomparavelmente mais reduzido.

Onde queremos chegar?
Não obstante a grandiosidade da história belenense, independentemente de todos os sonhos que nos invadem a mente, o Belenenses não é, actualmente, um clube que se possa bater de igual para igual na europa do futebol (e não se pense que esta constatação implica de nossa parte uma desistência. JAMAIS! Iremos à Corunha, ao jogo da Uefa fora, realize-se este onde se realizar, até ao fim do mundo se for necessário). Mais: mesmo em termos internos não temos condições materiais e humanas para aspirar a mais que uma honrosa 4ª posição na tabela (e mesmo assim).

"Condições materiais e HUMANAS". A utilização desta última palavra não foi inocente: diria mesmo que encerra todos os propósitos deste texto.

Quando há alguns dias um dos editores do B.A.M. publicou um inquérito irónico acerca das intenções dos belenenses em se deslocar à Corunha, verificaram-se alguns comentários que de grosso modo incidiram no facto de ninguém ser "obrigado" a ir ver o Belenenses presencialmente. Tudo bem. Claro que sim.

Ninguém é obrigado a nada, e muitos belenenses efectivamente gostariam muito de fazer a viagem mas, por este ou aquele motivo, não o podem.

Correndo o risco de ser polémico diria que todos os VERDADEIROS Belenenses têm a "obrigação" de fazer tudo por tudo, de fazer inclusive alguns sacrifícios, em prol do seu clube do coração! Seja estando presentes no Restelo, nas partidas fora, ou noutro qualquer aspecto da vida belenense que não passe pelo apoio directo à equipa de futebol.

A verdade é que temos, em termos globais, aspirações e sonhos de primeira, e sócios e adeptos de terceira. Por muito que me custe afirmá-lo, esta é a realidade - e ganhou contornos ainda mais nítidos nos últimos 15 anos - do meu, do nosso, Belenenses.

Os 12% do orçamento que provêm da quotização (e aqui incluem-se os sócios que praticam desporto no Belenenses mas que não são adeptos), 1500 ou 2000 sócios e adeptos em média no Restelo provam isto mesmo...

E quem não relacionar a deserção contínua de belenenses da vida activa do clube com os maus resultados desportivos dos últimos 15 anos, está simplesmente a esconder a cabeça debaixo da areia - isto não significa que não tenham sido cometidos erros de gestão neste período e tudo mais: muito pelo contrário.

Mais uma vez regressamos à questão da "obrigação". Ninguém é obrigado a nada, como é óbvio. Simplesmente esta não obrigação não pode servir de escudo protector para todos os "maus" belenenses. Uma coisa é alhearem-se deliberadamente da vida do clube: isto entristece-me mas não me choca. Agora nada fazer pelo clube, e exigir que o clube satisfaça o seu ego através da conquista de títulos assume contornos que se me apresentam enquanto quase revoltantes.

Apesar do meu anti-americanismo quase patológico, vou adaptar uma sua expressão: "Não questiones o que o teu clube pode fazer por ti, mas sim o que podes fazer pelo teu clube!"

A grandeza do Belenenses está na mão dos belenenses...