O "make of" de uma coreografia.

No jogo frente ao fcporto, a Fúria azul, mais uma vez, realizou uma coreografia que pretendeu por um lado transmitir força da bancada para os jogadores, e por outro, dar alguma cor e animação à bancada dos sócios. Julgo ser uma coreografia já conhecida de todos.
Neste artigo pretendo dar conhecimento aos leitores, em termos gerais, a forma como a mesma foi elaborada - infelizmente não podemos apresentar algumas fotos que ilustrem passo a passo o processo de idealização e concepção da coreografia. Seria certamente interessante.
Ainda assim, vou procurar neste pequeno texto transmitir como nasceu mais esta grande coreografia da Fúria Azul.
Primeiro ponto genérico a ser abordado incide sobre as particularidades estruturais do Estádio do Restelo, e também sobre as conjecturais. Deste modo, numa coreografia desta envergadura há que ter em conta estes dois aspectos essenciais que tornam o nosso estádio talvez o mais dífícil da Liga para realizar estes espectáculos.
Primeiro ponto: trata-se de uma bancada muito grande (com capacidade para 7000 espectadores), e simultaneamente pouco inclinada, o que significa necessariamente menor impacto visual.
Segundo ponto: trata-se uma bancada muito grande, como já referi, e, sobretudo, de uma bancada muito despida de espectadores, principal aspecto que me levou a escrever tratar-se o Restelo de um estádio difícil para os tifos.
Certamente muitos leitores já verificaram que a Fúria Azul tem uma imagem de marca (ou se quiserem se repete muito) quando se trata de realizar coreografias. Geralmente optamos por utilizar grandes lençois de plástico presos na cobertura da bancada, porque desta forma contornamos a questão da pouca afluência de espectadores ao Restelo. Assim, deste modo cobrimos grande parte do segundo anel, e no primeiro recorremos à utilização de bandeiras ou estandartes individuais também de plástico. Fica garantida uma boa coreografia, com muito impacto visual devido a sua grandeza em termos de metros quadrados cobertos.

Frente ao Porto procuramos realizar algo diferente e, consequentemente, mais "arriscado" no sentido de poder não resultar visualmente. Esta diferença em termos estéticos não se verificou, todavia, no que respeita à utilização de materiais: recorremos, como sempre o fazemos, a manga plástica, visto tratar-se de um material barato, adquirido em bobines de muitas centenas de metros.

Antes de mais, é necessário ter uma ideia base já minimamente definida sobre a qual se possa trabalhar. Esta primeira fase na qual se ideoliza genéricamente o tifo surge cerca de um mês antes do dia do jogo propriamente dito. De seguida a ideia é apresentada em reunião e debatida no sentido de ser melhorada colectivamente o mais possível. Deste processo surge um projecto final, sendo geralmente o conceito posteriormente elaborado virtualmente com o recurso a programas informáticos. Cerca de três semanas antes do grande dia, é necessario ter já disponíveis os materiais, algo que muitas vezes não acontece por determinadas razões. Nesta ocasião tudo correu dentro do previsto, tendo a manga plástica azul e também branca sido adquirida em Leiria e entregue no Restelo dentro do prazo previsto.

Neste caso o projecto previa a elaboração de três grandes elementos visuais que em conjunto formariam a coreografia:

(i) o escudo do Belenenses com as iniciais do nome do grupo (FA) e também a seu ano de fundação (84). Este elemento do tifo (o principal) media 13 metros por 10, sendo elaborado manualmente em plástico. As letras e os números tinham cerca de 3 metros de altura, sendo realizadas com o recurso a um retroprojector. Assim, com uma fotocópia em acetato, projectou-se o pretendido numa parede, imaginemos um F, colocou-se na mesma, preso, um lençol de plástico previamente preparado, seguindo-se o desenhar do contorno da letra nesse mesmo plástico. De seguida retirou-se o plástico da parede, e cortou-se a letra propriamente dita pelo contorno já traçado. E assim sucessivamente. O escudo, como as fotografias mostram, foi colocado precisamente no centro da bancada, cobrindo parte consideravel do segundo anel e também alguns metros do primeiro. Do escudo sairam ainda 4 fitas de plástico com 3 metros e 20 de largura no sentido de formar um +, demarcando assim 4 zonas a ser cobertas de bandeiras brancas - este aspecto pode ser observado com alguma clareza na primeira foto.

(ii) as bandeirinhas brancas em plástico formaram precisamente o segundo grande elemento visual que constituiu o tifo. Foram feitas cerca de 700, todas manualmente, de 60 centrimetros por 53. Assim, o processo inicia-se com um rolo (bobine) de manga plástica branca com 80 centimetros de largura, ou seja, é necessário abrir uma manga no sentido de se alcançar uma fita de plástico com 1 metro e 60 de largura. Segue-se a sucessiva medição dos 60 centimetros pretendidos e o corte para assim se obter centenas de fitas de plástico de 1 metro e 60 de comprimento e 60 de lado. Finalmente estas fitas são cortadas em 3, resultado assim a medida de bandeira previamente definida. Resta preparar os tubos (de electricidade), na medida pretendida. Assim, estes são comprados com três metros e divididos manualmente em 4, resultando assim, 4 tubos de 75 centrimetros. Finalmente cola-se a bandeira de plástico propriamente dita ao tubo.

(iii) o terceiro grande elemento do tifo constituiu na elaboração de 2 enormes frases independentes, traduzindo o sentimento do grupo em relação ao clube: A TUA ALMA, A TUA VOZ. Mais uma vez, partindo da manga plástica azul, foram elaborados dois grandes lençois com 15 metros de comprimento por 2,25 metros de altura, sendo posteriormente elaboradas as 15 letras (brancas) necessárias recorrendo-se à utilização do retroprojector - as letras tinham cerca de 1 metro e 75 de altura. Por fim foram coladas as letras nos lençois. Estes foram presos a tubos previamente colocados na rede que separa a bancada da pista. Procurando o efeito surpresa, os lençois encontravam-se enrolados, tornados visíveis somente aquando da entrada do Belenenses nas 4 linhas.

Portanto, com o jogo a 2 ou 3 semanas de distância, entramos na 2 fase do projecto, a da elaboração, que decorreu praticamente até o último dia. Foi evidentemente uma fase bastante difícil e stressante, visto o trabalho ser muito e a mão de obra escassa - importa referir que esta "mão de obra" é voluntária e não remunerada, sendo realizada exclusivamente por membros da Fúria Azul que assim sacrificam com entusiasmo muito do seu tempo nocturno. Todos os materiais são igualmente suportados exclusivamente com o dinheiro da Fúria, não contribuindo o clube com um único euro.


Finalmente, surgiu o grande dia (infelizmente não desportivamente), o que não significou ainda descanso. Esta 3ª fase da coreografia é temporalmente a mais reduzida - poucas horas - mas possivelmente também a mais stressante. Assim, é necessário, já na bancada, organizar todos os aspectos da coreografia: colocar os tubos na rede; prender as frases; preparar o escudo no sentido deste surgir na local exacto pretendido na bancada; distribuir pela bancada as 700 bandeirinhas.

Por fim, após semanas de esforço, de noites sucessivas passadas no Restelo a trabalhar, surge aquele minuto mágico: a maravilhosa camisola azul aparece, inicialmente ainda como um espectro oriunda do túnel de acesso ao relvado, mas lentamente vai ganhando tonalidades mais fortes. A bancada encontra-se já colorida, o escudo da Fúria pinta de azul e branco a bancada, as bandeiras agitam-se ao vento, e o entusiasmo faz o coração bater mais forte. Os jogadores aproximam-se, as bandeiras rodopiam ainda com maior intensidade, o coração esse parece estar já parado. Finalmente as frase descem, surgem visíveis ao mundo num grito interno que explode em todos os tímpanos e olhos presentes no estádio. A TUA ALMA, A TUA VOZ.

Sessenta segundos passaram. Para muitos parece ter durado uma vida. Um mês de trabalho ficou já para trás, as costas, que tinham deixado de doer, reclamam já novamente sua fadiga. Loucura, dirão muitos, trabalhar tanto para tão pouco. Amor infindável ao Belenenses e mentalidade ultras, respondo eu. Quem não compreende nunca poderá compreender, independentemente do que eu possa escrever. Todos os outros, os ultras da Fúria Azul que empenharam o seu esforço e o seu tempo em prol do grupo e do clube não precisam sequer tentar compreender. Simplesmente está-lhes no sangue.

BELÉM ATÉ MORRER! FURIOSO ENQUANTO VIVER!!!