NOJO E RAIVA


Não me tenho por um louco alucinado e não ignoro que o Belenenses já não é uma grande potência futebolística e que, inclusivamente, parece ter perdido a ambição de o voltar a ser. A apologia (expressa ou ímplicita, por acção ou omissão) do pequenininho ouve-se um pouco por todo o lado no nosso Belém.

No entanto, eu "jurei" a mim próprio que, em consideração ao Belenenses que herdei, jamais utilizarei a expressão "três grandes" tout court, i.e., com o sentido e âmbito que hoje tem. E até confesso que não o gosto de ouvir a outros belenenses. Eu, repito, nunca a usarei, ainda que fôssemos para as distritais, ainda que acabássemos, ainda que sob tortura.

Admito francamente que ficámos para trás dos nossos velhos rivais e não discuto a liberdade de cada um (dentro e sobretudo fora do Belenenses) achar que nos devemos resignar ao estatuto de pequenos (o conceito de "médio" no futebol português, é algo que se parece querer evitar a todo o custo). Também tenho que aceitar que jornais, rádios e televisões privados falem do que lhes apeteça e ignorem quem quiserem. Coisa bem diferente, é a escandalosa protecção do Estado, no sentido amplo, a certos clubes. Velha história, embora agravada, que em muito contribuiu para nos afastar da vanguarda - basta ver a maneira como fomos corridos das Salésias, em comparação com as benesses sempre concedidas a Benfica e Sporting.

Mesmo no sector privado, contudo, entendo que há limites: de ética, de basilar respeito e até de ridículo.

No sábado, o Record apresentou o resultado de um inquérito, com esta mimosa pergunta:

"Dos três grandes qual é que vai ser campeão?".

Ou seja, o referido pasquim decretou que só pode ser campeão um dos seus três grandes. A pergunta poderia ser com toda a lógica "quem vai ser campeão"?. Chegava, bastava, era linear e até poupava espaço, algo sempre invocado para não incluir outros concorrentes além dos três metralhas. Mas a sabujice refinou-se nesta arrevesada frase: "dos três, qual é que vai ser...?".

Não espanta que nos comentários do mesmo jornal, onde os adeptos dos rebanhos acéfalos dos três podem defecar tudo quanto lhes dá na gana, incluindo as maiores alarvices, enqaunto observações correctoa de belenenses (e outros, decerto) são censuradas, um benfiquista escreva esta pérola: "O tal puto que era o gozo dos Sportinguistas e saloios do FCP estão a roer as unhas de inveja. Acabou e nem com a ajuda do árbitro conseguiram isolar mais o FCP. Que pena não ter visto o jogo". (não viu o jogo mas sabe que o coitadinho do Benfica foi prejudicado. Depois fala dos outros dois cabeçudos como se fossem o resto do mundo...)
A culminar a semana da capa do Cardozo a telefonar para o papá e de mais um escarro do Fernando Guerra, sinto um verdadeiro NOJO com isto. Não, não me digam que a solução é não ler, não saber, porque eu não quero ignorar o modo como centenas de milhares de portugueses recebem a lavagem diária ao cérebro.

Mas sinto também RAIVA. Raiva de outros clubes não se rebelarem contra isto e, sobretudo, que quem mais tinha o dever e a legitimidade para o fazer, e que é o meu clube, o Belenenses, não denunciar e não lutar de todas as formas contra isto, e até produzir discursos que o aceitam como mais ou menos normal.