Parabéns Vicente.

O grande Vicente Lucas - "O homem que secou Pelé" - nasceu na actual Maputo no dia 24 de Setembro de 1935, ou seja, celebra hoje o seu 72º aniversário.

O Belém até Morrer associa-se a esta bonita data, e convida todos os eleitores a deixar na caixa de comentários uma mensagem de parabéns que posteriormente será entregue a esta lenda viva belenense.


Ainda muito jovem, Vicente - juntamente com o seu vizinho Mário Coluna -, actuou num clube de garotos do seu bairro, o “Sport Clube Acrobático”, a cuja a fundação estava ligado o seu irmão Matateu.

Aos quinze anos de idade, Vicente recebeu um convite de Ervin Brás, dirigente do 1º de Maio, para jogar nos juniores do clube. “Mandjombo” - alcunha pela qual Vicente era conhecido - impôs-se rapidamente, mostrando toda a sua habilidade actuando curiosamente a avançado, mais concretamente a interior direito.

Como grande jogador que demonstrou ser desde muito cedo, Vicente, com apenas 16 anos de idade, integrou a selecção de juniores de Lourenço Marques que defrontou a sua congénere da África do Sul. Fez uma grande exibição, circunstância que no final da partida originou o primeiro convite para jogar no continente, no Lusitano de Évora.

Como a mãe, Margarida Heliodoro, achou ser demasiado cedo, Vicente permaneceu no 1º de Maio, onde ainda com dezasseis anos, passou a jogar na primeira categoria.
Ainda como avançado foi evoluindo como futebolista de eleição, sendo convocado no ano seguinte para a selecção principal de Lourenço Marques que defrontou o Sporting Clube de Portugal, em digressão por África.

Por essa altura, um adepto belenense, barbeiro de profissão, comunicou para Lisboa as qualidades do irmão de Matateu que escreveu para casa, pedindo à mãe para deixar o “Mandjombo” vir para o Belenenses. Novamente, D. Margarida disse “não”, mas o capitão Soares da Cunha - que viria a ser presidente do Belenenses -, estava em Lourenço Marques e intercedeu junto da mãe que acedeu.

Assim, Vicente embarcou no paquete “Pátria” com destino a Lisboa, onde Matateu afirmava já que o seu irmão era "melhor que ele."
Tal possibilidade, como é natural, provocou um grande alvoroço entre as hostes belenenses, que depressa apelidaram Vicente de "Matateu II".

Depois de 3 semanas no mar, “Mandjombo”, ainda com 18 anos, chegou a Lisboa no dia 30 de Julho de 1954.
Vítor Santos, jornalista da Bola, descreveu o ambiente impressionante que rodeou a chegada do jogador ao cais da Rocha de Conde de Óbidos, onde afluíra uma autêntica multidão à espera do “Matateu II”. Perante tal tratamento, o jovem moçambicano afirmou imediatamente: “Matateu II não! Eu sou o Vicente”.

O Record, por sua vez, escreveu que “Por entre os grandes guindastes, que se moviam, lentamente, num ritmo surdo de motores, avistámos, pela primeira vez, Vicente Lucas – Matateu II. Debruçado na amurada do Pátria, atracado na rocha de Conde de Óbidos, o novo jogador do Belenenses sorria para o irmão, que em terra lhe acenava. Vicente Lucas vestia fato azul escuro e notámos, mais tarde, que a lapela ostentava um emblema do Belenenses. Procurou ser dos primeiros a desembarcar e, de facto, não demorou muito que a sua figura esguia se notasse nas escadas de portaló”.

Volvido pouco mais de mês, a 5 de Setembro de 1954, Vicente estreou-se com a camisola azul: no estádio Nacional, diante do Atlético, celebrava-se a “Festa de Despedida” de António Feliciano, tendo o Belenenses vencido por 4-0.

Comentando a partida, o Record destacou que “A turma de Belém apresentou no Estádio Nacional algumas das suas novas unidades. De entre elas atraiu especial atenção o interior direito Vicente – irmão do popular Matateu – que fez a sua estreia oficial no quadro dos azuis. Poder-se-á dizer que, duma maneira geral, o novo dianteiro belenense deixou boa impressão, mas temos de concordar que ainda é muito cedo para aquilatar das suas reais qualidades”, descritas por Pedroto da seguinte forma: “É um jogador fino, muito habilidoso e ágil. Todavia não é um avançado para dar luta. Em todo o caso agradou, pela rapidez e subtileza do passe. Promete, pois, alcançar posição de revelo na equipa de Belém”.

Uma semana tinha passado quando, a 12 de Setembro, Vicente se estreou em jogos oficiais. No jogo inaugural do campeonato nacional, o Belenenses recebia o F. C. Porto nas Salésias. Os azuis de Lisboa venceram por 1-0 e Vicente, actuando a interior-direito, marcou o único golo da tarde.

Nos jogos seguintes, Vicente permaneceu no ataque, mas no lado esquerdo. Todavia, e ao contrário da opinião geral - que viam nele um goleador -, Fernando Riera tinha uma opinião diferente. O técnico azul, antes da partida com o Vitória de Guimarães, perguntou a Vicente se já tinha jogado a médio, que respondeu que sim “...ás vezes, a brincar, lá em Lourenço Marques”. Riera perguntou-lhe então se a posição lhe agradava, respondendo Vicente que gostava é "de jogar. O mister é que sabe”.

Perante tal resposta, Riera retorquiu: “Então vais jogar em Guimarães a médio. E jogar bem! Porque o teu feitio é mais de médio”. Assim aconteceu. A 17 de Outubro de 1954, o Belenenses venceu em Guimarães por 3-1 e Vicente, jogando a médio-esquerdo foi considerado o melhor elemento em campo.

No último dia do ano de 1954, o jornal do Belenenses, após uma vitória frente ao Sporting, destacou a exibição de Vicente:
“De domingo para domingo, de jogo para jogo, as suas qualidades vão-se afirmando, ganhando maior projecção a sua figura de jogador fino, subtil, dotado de vastos recursos e de magníficas qualidades. Sóbrio, sem dar nas vistas, sem jogar para ‘a galeria’, mas extremamente útil, Vicente Lucas é, certamente, a maior revelação do futebol português desta temporada.
É o verdadeiro tipo de jogador maleável, que se adapta perfeitamente a todas as missões, sempre com a mesma aplicação, com o mesmo rendimento e com a mesma utilidade. Apesar dos seus 19 anos e dos escassos meses de actividade na Metrópole, Vicente Lucas é já, sem dúvida, uma grande figura do futebol português, que segue na peugada do seu famoso irmão.
E muito há ainda a esperar da sua juventude, da sua aplicação, do seu desejo permanente de se valorizar cada vez mais e, sobretudo, das suas magníficas qualidades.
No domingo, no Estádio Nacional, perante 40 mil espectadores, Vicente Lucas voltou a fazer alarde da sua classe, realizando exibição primorosa, exemplar de calma e de intuição.
Quer a defender, sempre oportuno e no “melhor sítio”, quer a atacar e a lançar os seus dianteiros, mercê de passagens de excelente visão, a revelarem magníficos pés, Vicente Lucas foi sempre figura saliente, merecendo, portanto, as honras de ser considerado o melhor elemento em campo.
E no Estádio Nacional estiveram dez internacionais”.

E o resto, como se costuma dizer, é história.

Em 1955, Vicente estreou-se como internacional na “Selecção B”, frente ao Luxemburgo - Portugal ganhou por 3-1. Ainda nessa época, o jogador sofreria um dos maiores desgostos da sua vida ao perder, nas Salésias, perdeu o título de campeão nacional a quatro minutos do fim.

Pouco depois, em Junho do mesmo ano, Vicente participou com o Belenenses na “Taça Latina” - jogos com o Real Madrid (0-2) e com o Milan (1-3) - , tendo o importante semanário francês “France-Football”, de 28 de Junho, sob a pena de Max Urbini referindo-se a Vicente nos seguintes termos:
“Não terminemos sem rever o comportamento de um elemento do Belenenses que confirmou toda a sua classe, o médio-esquerdo Vicente Lucas, o irmão de Matateu.
Que actividade! Lucas quer estar em toda a parte ao mesmo tempo. Ele é tão bom na defesa como no ataque. Com um estilo de uma ‘suplesse’ magnífica, ele efectua um ‘vai-e-vem’ contínuo. Com 19 anos, Vicente Lucas é, sem dúvida alguma, um dos melhores médios europeus”.

Passaram 4 anos até que Vicente se estreou na Selecção “A”, a 3 de Junho de 1959, em Lisboa frente à Escócia.
Ainda em 1959, o Belenenses conquistou a “Taça de Honra” da Associação de Futebol de Lisboa ao vencer o Sporting na final por 1-0. Nesse mesmo dia - 13 de Setembro -Vicente foi distinguido pela A. F. L. com a medalha de ouro “Prémio de Desportivismo e da Correcção”, que distinguiu o seu comportamento exemplar durante a época de 1958/59.

O jornal do Belenenses, comentando o jogo, considerou que Vincente "mantém a sua habilidade, mas que está ganhando força e estilo. O Vicente, de pendular trabalho, sempre regular, está evoluindo para chegar ao seu melhor. É, de momento, o melhor médio-defesa do futebol português... Vicente, recebeu a Taça, como capitão. Uma medalha de ouro, como jogador disciplinado. Se os nossos futebolistas seguissem o exemplo de Vicente, o futebol português teria outro cartel internacional. Sairia da mediocridade”.

Confirmando a excelente época do capitão Vincente, o Belenenses venceu a final da Taça de Portugal ao bater, a 3 de Julho de 1960, o Sporting por 2-1.

Sob o título, “Vicente, por ele e pela equipa mereceu receber a taça”, o Jornal “Record”, na sua edição de 5 de Julho, escreveu que Vicente "Foi um digno vencedor da ‘taça’, aliás como todos os companheiros. A sua exibição, cheia de ‘suplesse’ e de lisura inexcedível encheu o Estádio!”.

O início da temporada 1960/61 o Belenenses voltou a revelar-se vitorioso, tendo novamente Vicente erguido a Taça de Honra - vitória por 5-0 frente ao Benfica e 2-0, na final, face ao Atlético.

As épocas e os jogos foram passando, e Vicente manteve-se como um jogador imprescindível no seu Belenenses. Na época de 1962/63, as azuis defrontaram o Barcelona numa eliminatória da “Taça das Cidades com Feira”.
Depois do empate caseiro a uma bola, o Belenenses exibiu-se a grande nível em Nou Camp, obtendo novo empate a um golo. O desempate ocorreu novamente no Nou Camp, saindo o Barcelona vencedor por 3-2. Comentando o encontro, Vicente afirmou que “A vitória esteve ao nosso alcance e só não a conseguimos porque o árbitro suíço não autorizou. É de lamentar que não tivesse tomado uma atitude digna durante a primeira parte em que o nosso adversário actuou com bastante rudeza”.

Ao serviço da Selecção Nacional, Vicente viveu a 21 de Abril de 1963 mais um dia de glória. Portugal venceu pela primeira vez a selecção do Brasil, então bi-campeão mundial. O médio belenense exibiu-se a grande nível, sendo considerado o melhor jogador campo.
Escreveu assim o jornal A Bola:
“Sessenta mil pessoas viram, com os seus próprios olhos, como Vicente conseguiu transformar um ‘rei’ num ‘plebeu’, converter um “fenómeno” num jogador vulgar, impedir, em suma, que Pelé fizesse ‘pingar’ ao menos uma vez, sobre o relvado do Jamor, um fio de luz do seu decantado (e real) génio futebolístico. É que por mais incrível e espantoso que pareça, foi isso mesmo que aconteceu: Pelé não lhe ganhou uma única jogada. Em que mágica fórmula bebeu Vicente o segredo do seu êxito? Só ele o saberá por inteiro. Pela nossa parte, apenas ousamos assinalar este pormenor: Vicente só pensava na bola enquanto esta poderia estar ao alcance de Pelé, para evitar que ela lhe chegasse aos pés. Se a bola se afastava de Pelé, ele não ia com a bola, mas com Pelé. Outros têm procedido de outro modo e foram esmagados. Ele procedeu assim e esmagou Pelé”.

Nesse mesmo ano, o jornal “Diário Popular” distinguiu Vicente, elegendo-o como o melhor futebolista do ano de 1963.

Em 1966, Vincente disputou o Mundial de Inglaterra, o ponto mais alto da sua carreira como futebolista.
Depois do jogo inaugural que opôs a selecção das quinas à Hungria, o “Diário Popular” de 14 de Julho, analisou da seguinte forma a exibição de Vicente: “Viu-se e desejou-se para fazer o seu lugar na marcação a Bené e ‘safar’ Baptista. De pequena estatura, encontrou também dificuldade no jogo alto, mas foi ganhando o seu ritmo, e, à meia-hora, estava excelente a desarmar e a entregar a bola. Uma das grandes exibições da equipa”.
As grandes exibições repetiram-se frente à Bulgária e ao Brasil. No jogo frente à Coreia do Norte, Vicente lesionou-se, não obstante ter permanecido nas 4 linhas já que não eram permitidas substituições. O jogador comentou o sucedido alguns anos volvidos: “Eu fracturei a mão direita nesse jogo, ainda hoje cá tenho as marcas, desarmei um coreano e ele pisou-se, mas é evidente que não foi por isso que sentimos todas aquelas dificuldades, eu suportei as dores, porque ainda não havia substituições”.

Seja como for, a lesão impediu Vicente de alinhar frente à Inglaterra e à União Soviética, facto de não impediu que o jornal inglês “Daily Mail” considera-se Vicente “o defesa mais fino do futebol Mundial desde 1954, quando Andrade jogou pelo Uruguai”.
Em resultado da sua participação no Mundial de 66, Vicente foi condecorado pelo Presidente da República com a Medalha de Mérito Desportivo, tendo recebido da Federação Portuguesa de Futebol a Medalha de Ouro e cartão perpétuo.

A 7 de Outubro de 1966, Vicente foi vítima de um brutal acidente de automóvel, que terminou de forma abrupta a sua brilhante carreira de jogador de futebol. O jogador tinha 31 anos...
O próprio Vicente - no livro "Vicente - O homem que não foi vencido " - relembra o que se passou nesse fatídico dia:
“Ia para o Restelo, pela Avenida de Caselas. Saí daqui (referia-se a Carcavelos) bastante cedo para levar a minha mulher ao hospital para visitar o pai, que está lá internado. Deixei-a no hospital e fui para o estágio. Isto é, para a concentração no Restelo para seguirmos para Vale de Lobos. Seguia devagar, porque tinha muito tempo. Na minha frente, ia a furgoneta em marcha ainda mais lenta. Eu ia a ultrapassá-la. A furgoneta vira para voltar para trás! Mesmo à minha frente. Virei o volante todo à esquerda. O meu azar... Estava em cima do poste! Foi um vidrinho do pára-brisas que me rasgou a vista... A chapa na testa... Todo eu era sangue, como se tivesse aberto uma torneira... Não desmaiei. Saí até ao carro muito bem. Ainda fui discutir com o homem. Estavam lá uns rapazes que viram o desastre. Pediram-me para me ir tratar, que eles ficavam a tomar conta do carro. Pedi ao homem da furgoneta para me levar ao Restelo. O homem levou-me. Quando cheguei, parecia uma torneira. O Carlos Pedro ia com umas malas para o autocarro. Chamei-o: Ó Carlos Pedro, olha para isto! O quê?! – disse ele. Tenho a impressão de que ele não me reconheceu ou nem queria acreditar. Coitado! Deitou fora as malas e desatou a correr para mim. O massagista Silva estava a telefonar e também deitou fora o telefone. Coitados, estavam todos aflitos! Era para sairmos às cinco e meia e foram todos mais tarde para o estágio... Entretanto telefonaram para o Dr. Silva Rocha. Ele chegou logo. Levou-me à clínica. Fui cosido em cima (referia-se à brecha na testa) com vinte e dois pontos. A vista é que era o pior, mas eu nem sabia... O oftalmologista, Dr. Grilo, operou-me, nessa noite.
Depois soube que a coisa era séria quando começaram as visitas em série. Os colegas, está bem. Mas os outros... Todas as equipas que vinham a Lisboa iam lá... Os rapazes do Benfica... E pessoas que eu não conhecia, que não eram desportistas... Todos me acarinham. A Federação, o Sr. Vasco Morgado, o meu clube... Até o Pelé me enviou aquela carta! Palavra de honra! Sinto... não sei o quê. Nem sei como agradecer a todos!”.

A 22 de Janeiro de 1967, ocorreu a “Festa de Homenagem” a Vicente, sob o lema “Vamos dizer a Vicente que vale a pena ser bom”. Foi uma homenagem sem precedentes, que reuniu desportistas de Norte a Sul do País na disputa de 22 “Taças Vicente Lucas”, numa grande manifestação de solidariedade e amizade com um grande campeão do desportivismo!

No Estádio do Restelo, o Belenenses derrotou o Atlético por 4-3 (Matateu, então com 39 anos, marcou dois golos pelo Atlético), tendo Benfica e Sporting empatado a uma bola.

Vicente deu o pontapé de saída e, no final, afirmou que “Tudo isto faz com que sejam ainda mais fortes as saudades que terei de todos vós”.

Com o seu clube de sempre, o Belenenses, Vicente Lucas participou em 284 jogos do Campeonato Nacional (nos quais marcou 12 golos), tendo alcançado por uma vez um segundo lugar e por quatro vezes terceiro lugares. Venceu uma “Taça de Portugal” e duas “Taças de Honra”. Em representação de Portugal, foi 20 vezes internacional “A”, obtendo um terceiro lugar no Campeonato do Mundo.

Hoje, no dia em que completa 72 anos de idade, continua a ser um dos grandes símbolos vivos do Clube de Futebol “Os Belenenses” e da selecção portuguesa.

Parabéns Vicente!