Entrevista Jorge Jesus*.



*(Do Jornal "Os Belenenses")

Aos 52 anos, Jorge Jesus inicia a sua segunda época ao serviço do Clube de Futebol "Os Belenenses", sendo unânime que atravessa o melhor momento da sua longa carreira como técnico de futebol. Depois do quinto lugar alcançado na época passada e consequente apuramento para a taça UEFA, e de ter atingido a final da taça de Portugal, o técnico azul continua a sonhar em fazer algo mais no Restelo, apesar das contrariedades sofridas com a saída de jogadores-chave.
Em entrevista ao jornal "Os Belenenses", Jorge Jesus confirma ter acertado a sua continuidade no Belenenses, mantendo a sua aposta em descobrir e desenvolver jovens atletas, com potencial para se tornarem jogadores de referência.

Que balanço faz deste período à frente do Belenenses?

"Nesta altura penso que ainda só é possível fazer um balanço da época anterior, que foi uma época que, penso, este ano será muito difícil de repetir. Foi uma época que em termos desportivos, e também financeiros, foi espectacular, em que conseguimos fazer ressuscitar o Belenenses, voltámos a dar-lhe identidade, paixão e a imagem de um grande clube. Para além disso, ajudámos a equilibrar as contas do Clube, porque um treinador também tem de pensar na valorização de activos e eu, se calhar, tenho tido sorte, porque tenho descoberto muitos jogadores por onde tenho passado. Começámos a época passada a pensar que íamos lutar para subir de divisão e entretanto toda a época foi um sonho que se tornou em realidade e gostava este ano fazer a mesma coisa, mas tenho a impressão que será impossível..."

Os jogadores que saíram fazem falta?

"Perdemos três jogadores que na época passada marcaram 26 golos e que são difíceis de substituir, mas também por isso é que fizemos largos milhões com as vendas do Nivaldo e Dady. Não tivemos hipótese de segurar o Garcés, já que na altura ainda não tínhamos vendido nenhum desses jogadores e era complicado fazer face às exigências financeiras para o manter".

Mas pensa que encontrou substitutos à altura dos que saíram?

"Não. Tirando o Hugo Alcântara e o Weldon todos os jogadores contratados foram jovens na casa dos 19, 20 e 21 anos e é impossível fabricar jogadores de um momento para o outro. Eu sou Jesus, mas não faço sempre milagres! Dentro desta perspectiva, a equipa do Belenenses este ano vai ser uma equipa de sofrimento, os sócios do Belenenses têm de estar preparados para sofrer com a equipa, tal como no ano passado sofremos no início do campeonato. Depois, com o decorrer da temporada, vamos ver se conseguimos melhorar e corresponder à exigência".

Quais, e como define os objectivos do Belenenses nas quatro competições em que participará?

"Se tivéssemos a equipa do ano passado, e com os jogadores que entraram, tínhamos uma equipa para os primeiros cinco lugares e para chegar o mais longe possível na Taça de Portugal e na Taça da Liga. Mas com a equipa que temos, sei que neste momento somos uma equipa que pode perder com qualquer adversário do nosso nível, não somos, neste momento, uma equipa forte como no ano passado, somos uma equipa ao nível da maioria das equipas da liga Bwin. Tanto podemos ganhar, como empatar, como perder".

Mas tem perspectivas que, com trabalho, se atinja outro patamar?

"Essa é a minha confiança. Com muito trabalho podermos evoluir os jogadores e a equipa e atingir outro nível..."

E sente que o trabalho tem vindo a dar frutos?

"Penso que sim, a equipa está a crescer e é preciso ver que com três jornadas disputadas ainda estão a chegar jogadores. Chegaram agora quatro jogadores, portanto esta é uma equipa em evolução, composta por muitos jogadores que não conhecem o jogo, que sabem jogar à bola, mas não sabem jogar futebol. E toda esta aprendizagem e adaptação e um país diferente demora tempo, acrescido do facto se serem muito jovens: o Weverson tem 19 anos, o Evandro tem 19 anos, o João Paulo tem 20 anos, o Roncatto tem 21 anos, o Rafael Bastos tem 22... A equipa do Belenenses é a segunda equipa mais do campeonato nacional!"

Optou por manter vários jogadores das camadas jovens na plantel. O empréstimo não era melhor opção?

"Poderia ser... Há uma fase em que gosto que eles trabalhem comigo, especialmente no primeiro ano de seniores, sendo que depois precisam de competição, mas a verdade é que também não há grande mercado para eles e provavelmente será melhor rentabilizar aqui a formação deles. O Belenenses tem que mudar a sua estrutura desportiva de formação ou terá dificuldades em manter a sua posição actual no futebol português, pois há vários clubes prestes a ultrapassar-nos, pelo que urge criar um Centro de Estágios. Sei que o presidente tem essa ambição e espero que o Belenenses a consiga concretizar."

Pensa que é melhor estratégia formar jogadores ou descobrir valores já formados?

"O que é importante é ter jogadores cujo potencial possa ser rentabilizado financeira e desportivamente, por isso é que contratamos jogadores muito jovens. E depois esse potencial tem de ser desenvolvido e trabalhado. Eu tenho um vasto historial de jogadores que estão pela Europa fora e deram milhões a ganhar a clubes portugueses."

A equipa tem estado abaixo das expectativas no início da época...

"Abaixo dos expectativas sim, porque se esperava o Belém do ano passado, e também porque fizemos um bom torneio Teresa Herrera e vencemos o Torneio Internacional de Casablanca, mas a realidade é nua e crua: estamos preparados para sofrer e este campeonato vai ser muito mais difícil e será bom ficar nos dez primeiros lugares. Contra o Sporting demonstrámos que temos uma equipa em crescimento, mas que ainda não tem capacidade para «chegar lá». Penso que à excepção de quatro equipas, todas as outras são muito semelhantes em Portugal."

Tem comentários a fazer à arbitragem do jogo de Alvalade?

"Critiquei a arbitragem no aspecto técnico, porque houve sete amarelos e um vermelho para o Belenenses e quatro amarelos para o Sporting, o que dá doze cartões. Isto num jogo muito competitivo e em que o árbitro não teve capacidade para julgar o jogo. Os árbitros em Portugal têm pouca noção do que é uma falta intencional e uma falta na disputa da bola. Em Portugal, desde que um jogador caia, é falta e está muito próximo de levar um amarelo... Para alguns árbitros, o futebol português tinha de ser um jogo chamado «sempre em pé»!"

O jogo com o Bayern vai ser um jogo especial?

"Vai ser uma eliminatória para encarar com humildade, sem ser submisso, pois isso vai totalmente contra a minha forma de pensar. É bom, porque nós só podemos aprender com os melhores, e o Bayern é a segunda equipa com maior orçamento do mundo e as pessoas têm de ter a noção da realidade. Podemos sonhar, mas o Bayern é um dos maiores clubes do mundo."

Como está a questão da sua renovação de contrato?

"Isso já está tratado há mais de um mês, a minha palavra está dada e a do presidente também, portanto é um assunto resolvido".

É uma situação especial em Portugal um clube apostar a médio prazo num treinador...

"O presidente sabe as hipóteses que tive para sair do Belenenses, e ele sente que eu sou a pessoa certa para este trabalho, pelo que, ter um contrato apenas até final da época era um risco. Sinto-me em casa, os sócios têm-me ajudado, o grupo de trabalho é fantástico, a direcção é fantástica, porque razão é que haveria de mudar?"

Sente que no Belenenses o seu trabalho tem sido mais reconhecido pela opinião pública?

"Sinto. O Belenenses fez uma época espectacular, mostrámos jogadores... o Belenenses podia ter vendido metade da equipa. O Belenenses é um clube distinto no país e que valoriza quem trabalha com objectivos e consegue resultados."

É muito feliz no seu emprego?

"Tenho paixão por aquilo que faço, esta é a grande paixão da minha vida. Eu entro às oito da manhã e saio às oito da noite, os resultados têm sido bons e sou muito feliz. Mas sei que o treinador vive do dia-a-dia e eu também o vivo, a história do Belenenses comigo, no passado, foi bonita mas já passou, e agora resta-me procurar outros êxitos e resultados com uma equipa em formação."

Qual o seu sonho profissional?

"Profissionalmente o meu grande sonho é fazer com que o Belenenses ganhe um título. Ficar em quinto lugar e ir à taça UEFA não é nenhum título, apesar de dar prestígio nacional e internacional. Já ter ido à final da taça de Portugal, para mim, aproxima-se mais desse objectivo. Mas hoje vamos à taça UEFA e esse é um jogo que vai dar um bom encaixe financeiro ao Belenenses. Mas gostava mesmo era de dar um título ao Belenenses e ajudar o Clube a crescer. Sei que é complicado, já que o Belenenses vê-se normalmente forçado a vender os jogadores que mais se destacam, pelo que é difícil ter uma equipa muito forte. Mas sinto-me muito satisfeito e motivado".