Entrevista a Fernando Gouveia da Veiga

Depois de alguns dias mais agitados, a “paz” parece ter regressado ao Restelo. Enquanto a nova época não arranca – a apresentação oficial está marcada para dia 2 de Julho -, pensamos ser o momento certo para debatermos o Belenenses do presente e também do futuro. Todo e qualquer debate – desde que seja imbuído de civismo e belenensismo – acerca do Belenenses é de salutar! Revela dinamismo e vontade de evoluir, perspectiva o que pode e deve ser Belenenses do futuro. Neste espírito de debate plural e imparcial – em que não pode existir sectarismo – o Belém até Morrer irá publicar uma série de entrevistas a figuras importantes do Belenenses, entrevistas que pretendem ser o ponto de partida de um debate que se pretende o mais alargado possível.

Iniciamos o ciclo com uma entrevista ao associado Fernando Gouveia da Veiga, membro do Conselho Geral do Clube de Futebol “Os Belenenses”.

Decorre entretanto, a partir deste momento, um fórum livre que tem como ponto de partida as questões tratadas na mesma.
Todos os belenenses estão convidados a participar, bastando para isso aceder aos comentários da entrevista e publicar as suas opiniões. Dadas as limitações deste formato, torna-se necessário que os participantes no fórum efectuem refresh´s permanentes para assim acederem aos novos comentários que forem sendo publicados.


Os associados do Belenenses têm algo a dizer acerca do presente e do futuro do clube: todos nós, associados e adeptos azuis, constituímos as “forças vivas” do Belenenses, a vertente humana sem a qual nenhuma instituição (desportiva ou não) poderá sobreviver. Chegou a altura dos associados belenenses serem ouvidos, elevarem bem alto a sua voz: o Belenenses que todos ansiamos está a ser construído hoje, amanhã, todos os dias.
É necessária a colaboração de todos!

Belém até Morrer: Como interpreta a notícia veiculada pelo jornal "O Jogo", em relação às dívidas do C.F. "Os Belenenses" ao fisco e à Segurança Social? Julga que a questão foi empolada ou, pelo contrário, o clube corre um sério risco de penhora de alguns dos seus activos?

Fernando Gouveia da Veiga: Penso que a questão terá sido empolada pela Comunicação Social, no sentido em que sempre que há um acordo para pagamento de dívidas ao Estado e à Segurança Social em prestações (como é o caso), é normal o devedor ser obrigado a prestar garantias.

As garantias podem ser de diversos tipos, desde garantias reais (imóveis), rendas, penhores, garantias bancárias, etc., mas se não forem prestadas, efectivamente existe o risco de penhora o que no caso do Belenenses pode ser delicado se houver uma penhora das receitas do Bingo, tendo em conta o problema de tesouraria que o Clube e a SAD enfrentam.

O que admira é a lentidão com que a situação está a ser gerida pela Direcção, uma vez que se tiverem que ser prestadas garantias reais (de acordo com o artigo 84º dos Estatutos) é necessário convocar uma AG para esse efeito, o que não se faz de um dia para o outro.

B.A.M.: Pensa que a direcção azul, presentemente e no passado, procurou fazer um "controlo de danos" do problema, e deliberadamente escondeu a realidade dos associados do Belenenses?

F.G.V.: Os Clubes desportivos são realidades complexas e de gestão muito difícil. Temos que compreender isso. No entanto, há resoluções e deliberações que têm que ser acompanhadas com todo o cuidado, da maneira mais rápida possível, sem hesitações e sem correr riscos (como o de não ser aceite a inscrição na Liga por falta de prestação das necessárias garantias).

Não sei se a Direcção deliberadamente escondeu a realidade, mas o que é certo é que durante um período alargado de tempo não se pagaram impostos e nem contribuições à Segurança Social e isso só sucede porque o Clube gasta mais que as suas receitas há vários anos e isso não é mais sustentável.


B.A.M.: - Em que medida o presente e o futuro do Belenenses podem ser afectados pelo facto do Belenenses se vir obrigado a despender mensalmente elevadas verbas no sentido de regularizar as dívidas à Segurança Social e ao Fisco?

F.G.V.: Naturalmente que o presente e o futuro do Clube ficam afectados. Ou seja, por não se terem pago impostos e segurança social durante algum tempo (sem resultados desportivos) as próximas épocas serão afectadas.

Por exemplo, neste caso concreto, os cerca de 50 mil Euros que vamos ter que pagar por mês ao abrigo do acordo a celebrar, dariam para pagar o salário de dois ou três jogadores de qualidade para reforçar o plantel de futebol.
Quem perde é o Clube e a sua vertente desportiva.



B.A.M.: Poderá o Belenenses viver, na época que se aproxima, uma situação análoga à vivida pelo Vitória de Setúbal, com constantes ordenados em atraso aos jogadores profissionais?

F.G.V.: Essa é uma questão que deve ser colocada à Direcção e não a mim. De qualquer modo, a verdade é que o Belenenses - neste momento - deve ordenados a jogadores profissionais (de épocas anteriores), a profissionais de várias modalidades, a treinadores, a prestadores de serviços, etc. e isso não pode acontecer numa instituição de grande prestígio como o Belenenses.

Como se gasta mais do que se tem e o passivo aumenta todos os anos, chegará uma altura em que as receitas não chegarão para o serviço da dívida e essa realidade dos ordenados em atraso pode ocorrer a prazo.



B.A.M.: Que medidas pensa serem mais apropriadas para fazer face a este problema? No ano que o Belenenses regressou à Europa do futebol pensa ser necessário efectuar cortes orçamentais no futebol azul? Nas modalidades? Vender alguns dos jogadores mais importantes do plantel? Ou, pelo contrário, poderão as receitas extraordinárias que poderão resultar da participação na prova cobrir os encargos mensais com o Fisco e a Segurança Social?

F.G.V.: A situação é delicada e o Belenenses tem que se unir para resolver o problema e encontrar um modelo de gestão que assegure a sua sobrevivência futura.

Todos nos apercebemos que não podemos continuar a ter um orçamento para o futebol de mais de 5 M de Euros (quando as receitas são de 4M, já com 1,5M enviados pelo Clube), a ter modalidades que não sejam auto-sustentáveis e a não efectuar a reforma administrativa e financeira que o Clube necessita.

Por outro lado, há que aumentar as receitas e aumentar o número de sócios urgentemente.

Quanto às medidas mais apropriadas, naturalmente que um encaixe de capital pela via da venda de algum jogador seria bem vinda e essencial ao equilíbrio conjuntural.

As receitas provenientes da UEFA só poderão ocorrer se conseguirmos entrar na fase de grupos o que é bastante difícil e uma aposta que só pode/deve ser efectuada (correndo esse risco) num clube com uma situação financeira saudável. O Belenenses tudo deve fazer para entrar na fase de grupos mas sem entrar em loucuras na construção do plantel e os sócios devem estar preparados, sem dramas, para uma época abaixo desta última o que é perfeitamente normal.

Por outro lado, os sócios devem estar preparados para a redução da actividade desportiva do Clube. Se isso for bem explicado pela Direcção e assumidas as dificuldades, penso que os sócios compreenderão e apoiarão essa decisão, tal como o fizeram no passado. É preciso ter coragem e aproveitar o facto de ter havido eleições há pouco tempo.



B.A.M.: Apostar no sucesso do futebol profissional e assim gerar mais receitas ou desinvestir durante alguns anos e assim plantar as raízes das quais poderão surgir frutos dentro de alguns anos. Qual destas formulas pensa ser a mais correcta dada a situação do Belenenses?

F.G.V.: Há muitos anos que digo e defendo que o modelo de gestão do Clube é desadequado da realidade.
Às vezes é necessário dar um passo atrás, para depois dar dois à frente e penso que é isso que o Belenenses necessita e sempre com os olhos postos no futuro, uma vez que este é um Clube com um enorme potencial.

Neste momento o Clube é insustentável financeiramente e se não se alterar o modelo de gestão corre riscos sérios de sobrevivência porque vive muito acima das suas possibilidades e endivida-se todos os anos.
Plantar as raízes não significa desinvestir. Significa é fazer opções e investir os recursos existentes em fontes de rendimento futuras e permanentes.



B.A.M.: Numa hipotética Assembleia Geral votaria contra a entrega de terrenos do Belenenses como garantia ao Fisco e à Segurança Social?

Caso essa "entrega" fosse devidamente explicada pela Direcção e necessária a viabilizar um acordo de pagamento, naturalmente que votaria a favor.
B.A.M.: A ausência de contratações do futebol sénior preocupa-o? Considera estar a ser mal planificada a época que se avizinha?

F.G.V.: A ausência de contratações não me preocupa nesta fase, nem se pode dizer que a época está a ser mal planificada. Para afirmar isso, teremos que esperar e ver os resultados daqui a uns meses.

O que me preocupa é a excessiva concentração de funções no treinador (não por ele que é um grande treinador), mas pelo facto de ficarmos dependentes do treinador.
Como sempre disse, se um dia o treinador sair, não temos uma estrutura profissional que assegure a continuidade do trabalho.



B.A.M.: Como viveu a presença do Belenenses na final da Taça de Portugal? Pensa ter sido desperdiçada uma oportunidade para aumentar significativamente o número de sócios pagantes? Considera o marketing do clube eficaz?

F.G.V.: Vivi a presença na final da taça com um misto de sentimento de orgulho e de tristeza. Orgulho por termos mostrado ao país que estamos vivos. Tristeza por ter verificado in loco que somos muito menos do que em 1989 e por termos perdido uma oportunidade de vencer a final.

Considero que o discurso de que estar no Jamor era positivo fez com que - na realidade - nunca tivéssemos estado perto da vitória. Um Clube como o Belenenses nunca pode dizer "estamos no Jamor" e isso é muito bom.

Perdeu-se uma enorme oportunidade de aumentar o número de sócios com presença na final. Podia ter-se feito uma campanha de recuperação de ex-sócios, perdoando-lhes as quotas em atraso, fazendo-os pagar as quotas até final de 2007 e oferecendo-lhes um bilhete para a final.

O marketing do clube não é eficaz e isso viu-se na forma como foi preparada a final. Primeiro não havia camisolas, depois já havia mas só uns dias antes da final. Tudo deveria ter sido preparado a seguir aos 1/4 de final e dado início à execução no dia a seguir ao jogo com o Braga. O SCP, por exemplo, tinha um kit final da taça completo com bilhete, cachecol, t-shirt!

B.A.M.: Como encara a possibilidade do Belenenses não jogar no Restelo para a taça UEFA? Pensa que ainda será possível resolver a questão com a C.M.L. e também efectuar as obras necessárias para que o organismo máximo do futebol europeu licencie o nosso estádio?

F.G.V.: Se o Belenenses não jogar no Restelo para a taça UEFA será um duro golpe no prestígio do Clube.

De qualquer modo se a participação na UEFA era um objectivo para a época 2005/2006, não se compreende que o estádio não estivesse preparado para o caso de se atingir esse objectivo e como se sabe o pedido de licenciamento só entrou em Maio de 2006.

A questão, ao que parece (e chamo à atenção para a falta de informação prestada pela Direcção o que só aumenta as dúvidas), não se prende só com o licenciamento por parte da CML.

Aliás, tendo em conta que o Belenenses precisa da CML para o seu futuro, nomeadamente na área do projecto imobiliário e da reconversão do seu complexo desportivo, acho pouco inteligente a estratégia de passar as culpas para a autarquia, quando a maior parte das culpas são imputáveis ao clube e à sua inércia.

O problema parece ser mais complexo, porque terá a ver com a instalação de sistemas de sinalização e segurança, criação de planos de evacuação, construção de WCs, implementação de sistemas de controle de acessos, etc. São aspectos que não têm só a ver com o licenciamento e que demoram a resolver (têm que ser aprovados por uma empresa licenciada) e custam dinheiro.
Para além disso, parece que os prazos já foram excedidos. Mas como o Presidente veio garantir que vamos jogar em casa, não temos que nos preocupar com os jogos da UEFA no Restelo. De qualquer modo este assunto foi muito mal gerido pela Direcção a começar na forma como se soube do problema (através do comunicado da FPF).



B.A.M.: Por debaixo das questões conjunturais, pensa viver o Belenenses uma crise estrutural? Poderá o futebol moderno se coadunar com corpos directivos amadores? Acredita na possibilidade de uma gestão profissional quando os gestores (neste caso a direcção) é amadora, não se dedica em exclusividade ao Belenenses?

F.G.V.: A crise do Belenenses é conjuntural e estrutural.

Conjuntural porque atravessa uma situação complicada a nível de receitas e com um passivo a curto prazo muito elevado.

A nível estrutural, há muito que se aguarda por uma reforma e pela profissionalização da gestão do clube e em particular do futebol. Eu próprio durante a campanha e no meu programa defendia (e defendo) a profissionalização da gestão.

De qualquer modo essa profissionalização tem que ser feita às claras e com regras definidas. Por exemplo, os administradores da SAD devem ser remunerados mas têm que apresentar o seu currículo e deve ser uma comissão de remunerações a definir a remuneração e a divulgar a mesma, para que tudo seja transparente e não deixe dúvidas.

Amadorismo, não quer dizer, necessariamente, falta de profissionalismo e existem inúmeros exemplos de dirigentes (não remunerados) que fazem um trabalho verdadeiramente dedicado e profissional. A formação e a prospecção do futebol, por exemplo, não têm que ser 100% profissionais.



B.A.M.: Que modelo estruturante defende para o Belenenses? Presidente e vices-presidentes profissionais, ou seja, bem remunerados ou uma direcção amadora (que não se dedica ao Belenenses a tempo inteiro) secundada por directores profissionais?

F.G.V.: Remeto para o que acima disse. Gestão profissional não quer dizer que o Presidente e todos os Vice-presidentes sejam remunerados, nem todos os directores.

Há áreas chave que devem ser profissionalizadas e outras que podem ser objecto de outsoursing (como o marketing e a comunicação e imagem) o que é muito diferente.

Em meu entender, deve ser profissionalizada a gestão da SAD com um gestor profissional e um financeiro profissional, bem como um director desportivo.

A nível do Clube as áreas financeira, recursos humanos e modalidades também devem ser profissionalizadas, assim como a direcção comercial e muitas outras.



B.A.M.: Pensa ser indispensável um projecto imobiliário que rentabilize o complexo desportivo azul? O futuro do Belenenses depende deste desiderato?

F.G.V.: Penso que a sobrevivência do Clube como clube de topo só pode ocorrer se encontrar novas fontes de receita resultantes da rentabilização do seu património. O futuro passa por aí.

O que falta ao Clube não é um projecto imobiliário mas sim um projecto desportivo.

O projecto que apresentei era, apenas, o corpo de uma ideia para aquilo que penso que deve ser o Belenenses no futuro. A ideia era, simplesmente, a de aumentar o número de atletas e de praticantes de desporto. Sabemos que é possível ter cerca de 5000 frequentadores nas instalações desportivas (incluindo a formação de futebol e de rugby) projectadas, o que geraria uma enorme fonte de receitas para o Clube, permitiria aumentar o número de sócios e deixar de estar dependente das receitas do Bingo.

Estou, como sempre estive, à disposição da Direcção para disponibilizar os contactos e os apoios que tinha para viabilizar qualquer projecto daquele tipo, uma vez que tenho a certeza que o futuro do Clube passa por aí.



(P.S. - As perguntas da entrevista foram redigidas no Domingo, ou seja, não englobam os acontecimentos - e foram muitos - que se seguiram.)