"claques" = violência = negócio ? Ou a "liga ultra 33".



As "claques", ou seja, os grupos organizados de adeptos ultras, andam na boca do mundo. Por quê? Serão os Super Dragões uma "claque"? Ou pelo menos uma "claque" representativa do mundo ultra nacional? Certamente que não, mas minha intenção neste artigo de opinião não é caracterizar a maior "claque" da fcp - curiosamente nas vésperas de visitarem o nosso Restelo. Pelo contrário. O meu objectivo é opinar sobre os grupos ultras dos 33 clubes da Liga Portuguesa de Futebol (superliga e liga de honra) que não apoiem nenhum dos habitualmente apelidados de "grandes". Dentro desta "liga ultra 33", o destaque será naturalmente dado à Fúria Azul, realidade que conheço com mais profundidade e que interessa mais à grande maioria dos leitores deste blog. Não sou uma pessoa violenta. Todavia pertenço à Fúria Azul a cerca de 20 anos. Do mesmo modo a Fúria Azul na generalidade não é um grupo de adeptos ultras organizados violento. Mais: a grande maioria das "claques" da "liga ultra 33" não é naturalmente violenta, o que não significa que não ocorram episódios esporádicos de violência com algumas delas. Como em tudo na vida existem excepções.



Anualmente assisto a cerca de 32 ou 33 jogos do Belenenses para a superliga, e isto já há cerca de duas décadas. As situações violentas que presenciei pessoalmente nos estádios envolvendo "claques" contam-se pelos dedos de uma só mão. Já os convívios - jogos de futebol, almoços, idas a bares para beber um copo - com outros grupos ultras nacionais são incontáveis. Posso exemplificar as amizades da Fúria Azul com alguns exemplos conhecidos de todos e retratadas nas fotografias: Alma Salgueirista, Desnorteados, Insane Guys, Mancha Negra, White Angels, Auri Negros, VIII Exército, Alvi Negros, Green Zone etc, etc. Mesmo os grupos tradicionalmente "inimigos" da Fúria, como as panteras negras por exemplo tem laços de amizade com outros grupos ultras como a Mancha Negra, para citar um exemplo. O quero dizer afinal é que os laços de amizade entre as claques da "liga ultra 33" são consideravelmente mais numerosos do que as situações de ódio ou violência entre as mesmas.Julgo ter, em poucas linhas, refutado a generalização criada pelos media que todas as claques são violentas ou ser a violência a sua principal característica.



O segundo ponto que me proponho abordar, o do negócio, é ainda mais facilmente refutável. Quem esta minimamente "dentro" de um grupo ultra só pode rir quando ouve falar que as "claques" são um grande negócio, e os seus líderes na generalidade andam de mercedes, bmw ou afins. Simplesmente ridículo. A grande maioria dos grupos ultras organizados, para não dizer todos, vivem com extremas dificuldades económicas sendo as suas poucas receitas - venda de material alusivo ao grupo, quotização e pouco mais - muito reduzidas e destinadas exclusivamente aos gastos desses mesmos grupos ultras.Este ponto remete-nos imediatamente para a questão do apoio dos clubes aos seus grupos organizados de adeptos. A Fúria Azul, assim como quase todos os grupos ultras nacionais, não tem, nem nunca teve, qualquer apoio financeiro directo do Belenenses, limitando-se o grupo a beneficiar de entradas gratuitas aquando dos jogos das diferentes modalidades do clube. Não recebemos, nem nunca recebemos, um escudo/euro das direcções do Belenenses. Mais: as deslocações são suportadas inteiramente por cada ultra, não beneficiando os elementos da F.A. de qualquer redução nos preços das viagens. Nestas sucede por vezes termos acesso a convites, mas estes são destinados aos sócios em geral do Belenenses e não à Fúria Azul exclusivamente. De que vivemos então? A Fúria tem três fontes de receita principal: a quotização, a venda de material alusivo ao grupo (t´shirts, cachecóis, etc), e também o Azulão. De resto ninguém na direcção da Fúria Azul ganha ou ganhou um único euro do grupo, sendo inclusive o material que temos à venda comprado mesmo por aqueles ultras que dedicam muitas horas mensais ao grupo e ao Belenenses. Negócio? Dirigentes de Grupos Ultras da "liga 33" ricos? Simplesmente ridículo!



Todo o trabalho na Fúria Azul é voluntário e não remunerado. Se o fazemos é por gosto, é porque amamos o clube que elegemos como o nosso. Tudo o resto são notícias para vender jornais ou publicidade televisiva. Convido qualquer sócio do Belenenses, se o desejar, a passar uma tarde ou noite da sede da Fúria Azul, e assim compreender pessoalmente a perspectiva que aqui estou a expor. Todas as faixas, estandartes, coreografias da Fúria são realizadas manualmente pelos seus sócios, não mandamos fazer nada a gráficas ou seja lá onde for. E isto explica-se devido à falta de meios financeiros e, principalmente, com uma mentalidade DIY (Do It Yourself) que despreza o futebol negócio, as equipas-empresa, a subjugação dos verdadeiros adeptos de futebol em detrimento dos telespectadores de futebol. Não somos, nem queremos ser, uma claque-empresa, assim como não desejamos que o Belenenses se transforme num clube-empresa, tipo Chelsea, já os "donos" do Belenenses são os sócios na sua totalidade e não alguém multimilionário que pretende ganhar dinheiro com o futebol.


Todos os leitores devem ter já reparado que este artigo, até a este ponto, aborda a questão das "claques" no sentido de negar uma perspectiva generalizada que incide sobre uma realidade muito ampla e diversificada com os olhos da comunicação social, ou seja, com os olhos exclusivamente direccionados para as "grandes" claques que apoiam sporting, benfica e porto. Assim, distanciando 3 ou 4 grupos ultras dos restantes, cheguei à conclusão que os grupos organizados da "liga ultra 33" (onde se podem incluir também "claques" de menor dimensão quantitativa dos geralmente chamados 3 "grandes") não são naturalmente violentos e não são um grande negócio.Mas isto, só por si, não justifica certamente a sua existência. Por outras palavras, qual o interesse para um clube como o Belenenses, por exemplo, ter um grupo organizado de jovens adeptos, neste caso a Fúria Azul?



Antes de mais, os jovens no geral não são tão individualistas como uma pessoa mais velha, necessitam na maior parte das vezes de se sentir integrados num grupo, num colectivo. Não querendo transformar este artigo numa análise sociológica da juventude, parece-me evidente que a maior parte dos jovens sentem-se atraídos por movimentos organizados mais ou menos amplos, como os grupos ultras por exemplo, acontecendo o mesmo no caso da música - com fans-clubes, etc - e noutros aspectos da vida em sociedade. Assim, as "claques" atraem muitos jovens para o futebol que de outra forma, em caso de terem de assistir aos jogos individualmente, provavelmente não o fariam, ou pelo menos o fariam com menos frequência. O colectivo de facto é especialmente convidativo para os jovens, porque ultrapassa em muito um simples jogo de futebol. Criam-se amizades fortes, geram-se convívios que se estendem para além das bancadas, transformando o futebol numa actividade recreativa com uma dimensão completamente diferente. Assim, a Fúria Azul e a maioria dos grupos da "liga ultra 33" são simultaneamente grupos de amigos e essa amizade beneficia os seus membros em termos individuais mas, ao mesmo tempo, beneficia os clubes já leva também os jovens aos estádios. Paralelamente, como não podia deixar de acontecer, cultiva-se progressivamente um grande amor ao clube, passamos a identificarmo-nos com ele de forma diferente, quase como um membro da nossa família.



A Fúria Azul é, e foi ao longo destes mais de 21 anos de existência, uma escola de belenensismo, um colectivo no qual os mais novos foram aprendendo a gostar do Belenenses, a identificarem-se com ele, a ama-lo de uma forma especial. Não se é Belenense verdadeiramente só porque gostamos da cor azul ou os nossos pais ou tios o são; ser belenense é um processo de contínua integração no espírito e na alma do clube, algo que geralmente se inicia muito cedo, na infância, mas que se desenvolve sempre ao longo dos anos. Ora a Fúria Azul, em todos estes anos, tem tido um contributo essencial neste processo que se pode caracterizar de Belenensismo dos jovens que frequentam o Restelo. Baseio-me fundamentalmente na minha observação ao longo de 25 anos de frequência do Restelo, e também na minha própria experiência pessoal. Quando, com cerca de 6 ou 7 anos, os meus pais me levaram a ver os jogos do Belenenses, o clube pouco significava para mim, ia ao Restelo para brincar, correr nas bancadas, e etc. Progressivamente fui gostando cada vez mais de ir aos jogos e o Belenenses foi ganhando mais e mais importância no meu coração. Quando, com cerca de 12 anos deixei os cativos, onde os meus pais assistiam aos jogos, e me juntei à Fúria Azul, tudo passou a ser diferente e, definitivamente, o Belenenses passou a fazer parte da minha vida, já que num colectivo de jovens a paixão clubística é reforçada, tudo é vivido com mais intensidade, conhecemos pessoas mais velhas que sabem mais que nós acerca do clube, que já o seguem para todo o lado.



E também nós passamos a querer saber mais sobre a história do Belenenses, a querer ir ver os jogos fora do Restelo, viver as experiências que ouvimos de terceiros. Ao fim de contas, aprendemos a ser e a viver o Belenenses através e com quem tem outra vivência do clube. Depois os anos passam, e somos já nós a proporcionar aos mais jovens as nossas próprias experiências e vivências enquanto Belenenses, a transmitir o Belenensismo a quem é mais jovem. É uma corrente geracional de paixão clubistica e de Belenensismo importantíssima para a "formação" dos jovens Belenenses, que muitas vezes seria impossível sem a Fúria Azul.Como já neste espaço escrevi, a Fúria Azul não se vê somente no sector onde assiste aos jogos, mas está presente em todas as bancadas do Restelo, em todos os aspectos da vida do clube. São incontáveis os Belenenses que ao longo destas duas décadas passaram pela Fúria Azul, aprenderam a ser Belenenses no seu seio, e mesmo hoje não assistindo aos jogos no seu sector continuam a frequentar o Restelo, tornaram-se Belenenses para a vida. Mesmo na direcção do Belenenses estão presentes pessoas que em determinada altura foram sócios efectivos da F.A., não se podendo, portanto, reduzir a Fúria Azul, no contexto mais geral da vida do Belenenses, aos cânticos aquando dos jogos.



Por outro lado, fora do Restelo, pelos 4 cantos do país, a Fúria Azul tem sido uma verdadeira embaixadora do Belenenses, sendo inúmeras as ocasiões em que os furiosos foram os únicos adeptos azuis presentes no estádio. Na ocasião em que tive oportunidade de entrevistar o Tuck, este disse-me que ao entrar em campo fora do Restelo tinha sempre a tendência para observar as bancadas à procura da Fúria Azul. Era importante para os jogadores, segundo ele, perceber que não entravam em campo "sozinhos".
Não sei se transmiti com clareza a minha opinião acerca da importância das "claques" da "liga ultra 33", e sobretudo da Fúria Azul, nos seus clubes e no futebol português em geral, mas espero ter lançado algumas pistas e ideias que de certa forma permitam aos leitores julgar esta realidade na vida dos clubes com maior rigor, pretendendo o meu olhar interno observar para além da "poeira" levantada pelos"media".