"O despertar de um grande clube".

Foi este o subtítulo de um artigo de Aurélio Márcio, publicado no jornal "A Bola" em Setembro de 1987.

O título, surgindo a letras garrafais, era ainda mais impressionante: "BELENENSES REGRESSO AO ESPLENDOR; MAIS FORTE, MAIS RICO, MAIS DESPORTIVO."

O contexto: tal como em 2007, o regresso às competições europeias e ao convívio com os gigantes da Europa do futebol (na ocasião o Barcelona).

As semelhanças com a actualidade belenense não são mera coincidência. Todavia, por debaixo das aparências parecem existir dúvidas, inclusive incertezas perturbadoras.

"Que é o Belenenses 87/88", perguntava o jornalista, para imediatamente responder:
"Um clube em vias de recuperação, ultrapassadas sucessivas crises, umas atrás das outras, desde que Acácio Rosa foi buscar Mário Rosa Freire, então jovem empresário e gestor, autor de uma transformação destinada a colocar o Belenenses de novo no primeiro plano do futebol e do desporto português".

Mais: o Belenenses era um clube "sem dinheiro, com dívidas, sem jogadores. Foi período difícil, com o novo presidente a assumir tremendas responsabilidades financeiras. É a história antiga do Belenenses, hoje já encaminhado, novamente, para ocupar o seu lugar no primeiro plano do futebol português, não obstante se saber que se desce rapidamente e se sobe mais devagar, muito mais lentamente".

Palavras que se revelaram sábias, visto o Belenenses ter nessa época obtido um terceiro lugar no campeonato nacional, na temporada seguinte vencido uma taça de Portugal, e dois anos volvidos descido de divisão.

De resto, tal como na economia - Kondratiev não falava já, na década de 1920, no alternar de fases de prosperidade económica e fases de marasmo? - o Belenenses parece alternar ciclos positivos com outros extremamente negativos. Depois de uma brilhante 2ª metade da década de 1980 - pelo menos sob a aspecto desportivo - António Moita, em 1991, falava que havia encontrado "um passivo de um milhão de contos e uma gestão extremamente deficitária".

Se recuarmos até a década de 1970, verificamos igualmente que o Belenenses obteve resultados desportivos impressionantes para a época - 2º lugar no campeonato nacional em 1972/73 e estreia na taça UEFA no ano seguinte; 3º lugar em 1975/76 e meritório confronto com o Barcelona, também para a taça UEFA, na temporada que se seguiu; 5º lugar em 1977/78 e em 1979/80... - tendo descido de divisão, pela primeira vez na sua história, na época de 1981/82 (o alarme soara em Maio de 1981, entrando mesmo os jogadores azuis em greve devido à falta de pagamento).

Regressemos a 1987: na época, a galinha dos ovos de ouro chamava-se Bingo, inaugurado em Março de 1986, data em que o passivo do clube ascendia a mais de 215 mil contos - no decorrer dessa temporada foram pagos 143 mil contos para equilibrar as contas e renovar o complexo desportivo, ascendendo o lucro no exercício a 117 mil contos).

Não obstante a excelente época desportiva em 2006/07 - 5º lugar na liga, presença na final da taça de Portugal e regresso às competições europeias - não é fácil responder à pergunta (transportando para a actualidade a que Aurélio Márcio fizera em 1987) "Que é o Belenenses" 2007/08?

Volvidos 20 anos, o Bingo continua a ser a galinha dos ovos de ouro (responsável por cerca de 60% do orçamento azul), embora tal ouro não brilhe de forma tão cintilante - as receitas têm vindo a diminuir progressivamente, sendo previsível que o fenómeno casino de Lisboa continue a ter efeitos nefastos.

Ter-se-á encontrado uma nova "galinha" através da venda de jogadores? Sem dúvida. Os 3 milhões de euros obtidos com a venda dos passes de Pelé e Meyong e, sobretudo, os cerca de 7 milhões encaixados com as saídas de Nivaldo e Dady provam isso mesmo.

Mas que reflexos teve (terá?) esta última quantia na realidade belenense? Em termos imediatos, não parece ter influenciado de sobremaneira o investimento na equipa de futebol. Terá servido para reduzir o passivo? Não o sabemos, assim como desconhecemos o montante deste mesmo passivo.

A ordem de trabalhos da Assembleia Extraordinária do dia 27 de Setembro (1 – Discussão e aprovação da alteração ao artº 36º dos Estatutos do Clube; 2 – Nos termos do artº 84º do Estatutos, submeter à discussão e aprovação da Assembleia a concessão de autorização para a Direcção contratualizar com o PEC o pagamento faseado das dívidas à Segurança Social), faz supor o recurso a outras vias que não este encaixe financeiro para regularizar as dívidas à Segurança Social.

A nossa pergunta inicial acabou, inadvertidamente, por somente originar novas interrogações, às quais se podem juntar outras ao nível da recuperação de sócios e aumento da média de espectadores no estádio do Restelo.

Uma coisa é certa: ter-se-á certamente que diversificar as fontes de receita (rentabilizar activos como os jogadores é essencial, mesmo indispensável, mas tal situação é sempre uma incógnita); ter-se-á que modernizar a estrutura do clube em aspectos como o comercial, imagem e marketing; ter-se-á que fazer regressar ao seio do clube os largos milhares de associados que na última década e meia se afastaram; finalmente, ter-se-á que apostar na formação por um lado, e por outro no tão falado (e simultaneamente tão esquecido) projecto imobiliário - no Restelo ou fora dele.

Dois factos, curiosamente ocorridos no mesmo dia, podem ilustrar claramente os antagonismos do Belenenses 2007/08: enquanto em Munique, perante 64 000 mil pessoas, o Belenenses Futebol entrava nas quatro linhas para defrontar o colosso Bayern, o Belenenses Andebol recusava-se a entrar no pavilhão para treinar devido a incumprimentos salariais.

Como o passado belenense tão bem demonstra o céu é azul, mas em muitas ocasiões fica rapidamente carregado de nuvens negras.

O futuro será o que fizermos dele...