Três grandes vitórias azuis: 1960 - a taça de Matateu e de Vicente.

O Belenenses havia iniciado a época de 1959/60 com um título na Taça de Honra, mas encontrava-se afastado da final da Taça de Portugal desde 1948 – derrota com o Sporting por 3:1.
O percurso até ao Jamor iniciou-se com o Lusitano: vitórias folgadas em ambas as “mãos” por 4:1 e por 3:1. Seguiu-se o Sporting de Braga, registando-se vitórias azuis por 1:0 em ambas as “mãos”.
Nos quartos de final, o sorteio ditou o confronto entre o Belenenses e o campeão angolano, o Sports de Benguela. Vencendo por 6:0, no Restelo, a primeira “mão”, o Belenenses garantiu imediatamente a passagem às meias-finais. Assim, “Vergada ao peso de uma derrota por 6:0 na primeira “mão”, a equipa de Benguela deve ter encarado o segundo jogo como simples formalidade a cumprir. Os “azuis”, senhores dessa vantagem inicial que os isentava de preocupações, limitaram-se a fazer o mínimo que lhes era exigido”.
E esse tal “mínimo” traduziu-se numa vitória por 3:0.



Curiosidade:
Do jornal “Record”:
“No jogo da primeira mão entre o Belenenses e o Sports de Benguela, o capitão visitante, Palhares, entregou a Matateu uma lembrança. Antes do jogo de anteontem procurámos saber de Palhares se desta vez o Matateu não retribuía a lembrança.
Aquele replicou a rir:
- Ele retribuiu no próprio dia com seis «batatas» que foram tantas quantas entraram nas nossas redes.
E se a sua generosidade de retribuição se mantiver é natural que hoje volte a receber nova oferta de «batatas»”.

Tal como em 1942, o sorteio ditou que o Porto se encontrasse no caminho do Belenenses até final, eliminatória a duas mãos que começou por ser disputada na cidade invicta.
Os azuis de Lisboa venceram por 3:1, com dois golos de Yaúca.
Pode-se ler na crónica do jogo:
“Foi de surpresa o desfecho desta partida. E dizemos de surpresa sem que queiramos dar aqui ao termo o significado corrente: a expressão numérica. O resultado em si é a única coisa que nunca oferece qualquer discussão. Assim aconteceu neste jogo entre os “azuis” de Lisboa e do Porto e diga-se de passagem… aconteceu muito bem. Pois é precisamente este «muito bem» que nos encaminha para a surpresa a que nos referimos: em jogos a duas mãos com equipas teoricamente equivalentes, é admissível o fenómeno frequente da turma visitante se rodear de cautelas em ordem a fazer resultados escassos que lhe permitam a recuperação no jogo final no seu ambiente. A verdade, porém, é que tudo se passou ao contrário. Foi o F.C. Porto quem passou o tempo metido no seu meio-campo a contas com a pertinaz defesa que afinal se mostrou incapaz de destruir a onda sucessiva de ataques de um adversário que só conheceu uma palavra de ordem: ofensiva.
Não obstante a derrota por 1:0 no Restelo, o Belenenses regressava ao Jamor, onde iria defrontar – à semelhança do que havia sucedido nas finais de 1941 e 1948 – o Sporting.


Comentando a final que se aproximava, o treinador belenense, Otto Glória, afirmou:
“O jogo será muito difícil. Basta ser uma final. As responsabilidades são muitas e o adversário é o Sporting. Mas o Belenenses agora está bem, não há mazelas, há bom moral e vamos dispostos a «arrancar» a taça”.
Já o grande capitão Vicente afirmou:
“Temos pela frente um adversário de grande categoria. O Sporting é um dos eleitos do nosso futebol e toda a gente sabe da sua força. Vamos fazer o possível
por ganhar a Taça de Portugal, o que para todos nós, jogadores que ao Belenenses muito queremos, será de uma alegria sem limites”.
Já Matateu afirmou que não tinha tido ainda “ocasião de actuar na final da Taça. Compreende-se, assim, o meu entusiasmo em fazer um bom jogo e marcar pelo menos um golo”.

Curiosidade:
Para atingir a final do Jamor em 1960, o Belenenses teve que percorrer 1054 quilómetros, enquanto o Sporting se viu obrigado a percorrer 2658.
A equipa que maiores distâncias teve de efectuar foi o Sports Benguela, num total de 13 528 quilómetros.

A grande Final.
Escreveu o jornal “Record”, a toda a largura das páginas centrais:
“TRIUNFO INDISCUTIVEL DA EQUIPA QUE SEMPRE DEMONSTROU MAIOR PODER FISICO E ESTRUTURAÇÃO DE JOGO”.
E essa equipa foi, naturalmente, o Belenenses.
Numa tarde de sol, o estádio do Jamor encontrava-se repleto de público o que levou o “Record” a escrever que o “Estádio Nacional abriu as suas portas para a festa do futebol português. Abriu-as e teve de as “escancarar” bem, pois o público, acorrendo em massa, encheu-o por completo”.
Foram, assim, 50.000 os espectadores que viram o onze azul entrar nas quatro linhas: José pereira; Rosendo; Pires; Moreira; Vicente; Castro; Yaúca; Carvalho; Tonho; Mateteu e Estevão.
Escreveu José Olímpio, no Jornal “A bola”, em 4 de Julho de 1960:
“Para além das cores particulares de cada um, valeu a pena a homenagem ao futebol. Até pela lógica do resultado, visto que triunfou o conjunto que mais e melhor fez por isso: o Belenenses. Foi sempre mais equipa; mostrou em todas as circunstâncias, vontade mais forte, mais poderosa; ofereceu, aqui e além,
formosíssimas jogadas de ataque… Mereceu a vitória; a taça ficou em boas mãos. Em suma, foi grande a festa.”
Crónica dos golos azuis.
O Sporting, na final de 1960, foi o primeiro a marcar através de um potente remate de Diego que bateu José Pereira.
“Empatou o Belenenses aos 32 minutos. Rosendo marcou um livre, a meio do campo defendido pela equipa leonina, Yaúca captou a bola e, com Octávio de Sá muito perto de si, rematou-lha contra as mãos, de onde, ressaltando, foi ter aos pés de Carvalho. Este, a poucos passos das balizas e sem ninguém dentro delas, só teve que impelir o esférico para lá. Aos dezasseis minutos da segunda parte, em jogada muito semelhante à anterior, o Belenenses colocou-se na situação de vencedor. Só o iniciador e o e o finalizador do lance, desta vez, não foram os mesmos, pois coube a Estevão fazer o passe a Yaúca e, após o remate deste contra e o insucesso de Octávio de Sá, a Matateu o toque final para as balizas desguarnecidas”.
O jogo terminava com a vitória belenense por 2:1 e “Milhares de bandeiras azuis agitavam-se no ar e os aplausos atingiam o auge quando Vicente, lá do alto da tribuna mostrou a apetecida Taça…”
As palavras dos vencedores.
Afirmou Otto Glória:
“Como pode calcular, sinto-me felicíssimo com o triunfo que constituirá, sem dúvida, um grande benefício para o clube não só no capítulo referente à repercussão que está vitória terá, como ainda por premiar a dedicação de toda a família belenense. A equipa jogou «direitinho». Houve alguns jogadores que, não obstante actuarem com uma missão de bastante sacrifício, souberam corresponder àquilo que eu esperava e mereceram, sem qualquer sombra de dúvida, a vitória alcançada. Este triunfo abre grandes perspectivas no futuro do Belenenses. É isso que eu espero e que desejo”.
O grande Matateu, por sua vez, declarou:
“Foi um grande jogo, daqueles que não se esquecem. E, olhe, o sr. Otto tinha tanta confiança em nós que na sua palestra de antes do desafio não necessitou de nos incentivar. Procedeu como habitualmente, convencido já da nossa indómita vontade. Houve muito mérito desportivo… o Belenenses de hoje é um Belenenses com técnica e com nível. Foi ânimo para nós e para a massa associativa. Deu-nos o que nos faltava: moral”. Perante a pergunta do jornalista acerca de um golo falhado que parecia certo, Matateu afirmou que ficou “decepcionado por ter falhado uma oportunidade tão flagrante num jogo de importância transcendente para o Belenenses. Mas o sr. Otto estava lá para me dar coragem e no intervalo disse:… «não esteja triste, você até vai marcar o golo da vitória». Parece bruxo, não é? A verdade é que me voltei para o campo depois de ver a bola tocar lá no fundo, nas redes, vi o meu treinador de braços abertos. Pensei assim: aquele abraço é para mim. Foi uma coisa especial! A Taça veio-nos compensar dos azares do Campeonato Nacional… Quero jogar mais cinco anos e se, entretanto, o Belenenses não ganhar um campeonato, jogarei mais cinco…”