Três Grandes vitórias azuis - 1942

A Taça de Portugal é, pelas suas características muito especiais, uma competição única no panorama futebolístico nacional. Um jornalista, em 1960, apelidou-a enquanto a “prova mais espectacular do futebol português.” Acrescentaria a esta bela frase o adjectivo “democrática”.
A sua magia deve-se, em primeiro lugar, ao facto de se tratar de uma competição a eliminar na qual os clubes de divisões inferiores têm oportunidade de defrontar – e, em inúmeras ocasiões, bater – os grandes emblemas do desporto em Portugal.
Em segundo lugar, a final disputa-se na sala de visitas do futebol português: o magnífico Estádio do Jamor.

Na galeria da história da prova – disputada pela primeira vez, nos moldes actuais, na longínqua época de 1938/39 – o Clube de Futebol “Os Belenenses” ocupa um lugar de destaque em virtude do brilhantismo da sua participação ao longo dos anos. Presente em sete ocasiões na grande final, o clube da Cruz de Cristo inscreveu orgulhosamente o seu nome na lista dos vencedores nos anos de 1942, 1960 e 1989.
Centrar-nos-emos, nos dias que se seguem, precisamente nestas três páginas de ouro da história belenense, num exercício que pretende reavivar a memória colectiva dos mais antigos e, simultaneamente, transportar os mais jovens em direcção ao passado azul.

1942: A primeira conquista.




Depois da presença nas finais da Taça de Portugal nos anos de 1940 e 1941, o Belenenses ansiava pela conquista do título que, ingloriamente, lhe havia escapado nos dois anos anteriores. A este facto, deve ainda ser acrescentada a circunstância de terem passado, em 1942, nove anos desde a última conquista azul de um grande troféu nacional – o Belenenses consagrara-se Campeão de Portugal em 1933.
Atente-se as palavras expressas, em Julho de 1942, no jornal desportivo “Os Sports”:
“Esta vitória era precisa, era indispensável ao Belenenses. Os clubes da sua índole, grandes clubes em todos os sentidos, não podem viver a recordar eternamente o passado. Os adeptos são volúveis. Precisam de alguma coisa que os prenda, que torne cada vez mais forte os laços que os unem aos clubes da sua simpatia. A gente belenense ansiava por um grande triunfo, um triunfo que já tardava – e que surgiu num momento de rara oportunidade. O Belenenses voltou à era dos seus maiores êxitos desportivos.”

O percurso até à final.
Em 1942, o Belenenses iniciou à sua caminhada na Taça de Portugal defrontando o Olhanense: depois de um empate em Olhão na primeira mão, vitória fácil nas Salesias, por 3:0, no jogo da segunda mão.
O adversário que se seguiu, o F.C. Porto, aparentava ser um adversário mais difícil, antevendo-se que o encontro dos quartos-de-final da prova fosse muito equilibrado.
Puro engano. A eliminatória ficou imediatamente resolvida no Porto, depois de uma vitória do Belenenses por 5:1.
Ditaram as crónicas:
“O ataque belenense foi imparavelmente mais perigoso; de resto mais bem servido pelos seus médios, onde Amaro se distinguiu. Os interiores lisboetas foram os melhores elementos da equipa. José Pedro progrediu muito: Eloi continua na curva ascendente. Estes dois rapazes executaram jogadas primorosas, evidenciando facilidade de execução, desenvoltura, alegria. Ambos procuraram lançar Gilberto em profundidade, sistema que os médios também seguiram, e servir os extremos com a propósito.”



Nas meias-finais, o sorteio ditou que o Belenenses iria defrontar o Unidos de Lisboa.
Mais uma vez a superioridade da turma de Belém impôs-se com naturalidade, saindo os adversários vergados por cinco golos sem resposta. Logo aos dois minutos surge o primeiro golo:
“Um passe para o lado esquerdo dos «azues» encontrou Curtinhas bem colocado; o defesa do Unidos, porém, ficou pregado no terreno e deixou que Franklin «shotasse» livremente.”
Cerca dos 15 minutos de jogo, novo golo azul coloca definitivamente o Belenenses na final:
“Gilberto derrotou a defesa do Unidos, esta voltou à carga. Gilberto não deixou de lutar tendo à esquerda Franklin e à direita Eloy. Foi este que acabou por receber a bola e fazer o «goal».”
O jornal “Os Sports” conclui:
“Com um avançado centro mais acertado do que ontem esteve Gilberto, o Belenenses teria conseguido um «score» que ficaria na história da taça. Foram tantas as ocasiões que a defesa do Unidos deu aos avançados belenenses que só uma tarde mal inspirada de Gilberto justifica que o resultado tenha ficado em cinco tentos.”



A grande Final.
Estádio do Lumiar. 14 de Julho de 1942.
O adversário, clube pouco habituado a tais palcos, era o Vitória de Guimarães, que havia eliminado o Sporting.
O Belenenses apresenta em campo: Salvador; Serafim; Gomes; Feliciano; Perfeito; Amaro; Quaresma; Eloi; Gilberto; José Pedro e Franklin. O treinador era Rodolfo Faroleiro.
O Lumiar – palco onde actuava o Sporting – encontrava-se pintado de azul,
afirmando “Os Sports” que “Não esperávamos que a final deste ano arrastasse… o público que arrastou”.
As condições atmosféricas, todavia, não eram as melhores, já que a “forte ventania, levantando grande poeirada e tornando difícil o domínio da bola e a ordenação do jogo, tirou muito valor à partida.”
Ainda assim, o peso da camisola azul e da cruz de Cristo parece ter assustado os vimaranenses, cuja presença na final excedeu “as suas aspirações iniciais na prova.”
A sorte do encontro foi ditada por dois golos azuis. O primeiro a cinco minutos do intervalo e o segundo no reinício da segunda parte.


Curiosidade:
Mariano Amaro foi considerado a figura da final de 1942.
O jornal “Os Sports” dedicou-lhe inclusive honras de primeira página.
“Na final da Taça de Portugal, um jogador se elevou sobre todos, sobressaindo pela sua acção constante e equilibrada, pela sua iniciativa, pala inspiração do seu jogo: Mariano Amaro, capitão do Belenenses”.
O jogador, prossegue o jornal, “foi preponderante para a vitória do seu clube. O primeiro «goal» saiu duma iniciativa do médio direito belenense e em muitos outros momentos a personalidade do capitão dos «azues» apareceu com verdadeira autoridade.
Coube a Mariano Amaro a honra de capitanear a equipa do Belenenses que reeditou as vitórias em provas oficiais… E este facto não será, certamente, dos de menos relevo, nem dos menos gratos na carreira do jogador. Ficará mesmo a assinalar mais profundamente essa carreira, recheada de factos brilhantes, quer como jogador belenense, quer como jogador internacional, dos melhores que Portugal tem tido”.

Analisando as incidências do jogo “Os Sports” afirmam:
“Com esta vitória o Belenenses pôs termo ao longo interregno de nove anos em que o seu nome esteve afastado das listas dos vencedores das provas oficiais. O seu triunfo na Taça de Portugal de 1942 foi absolutamente merecido e vem coroar com oportunidade magnífica o trabalho de rejuvenescimento da equipa, com vista a assegurar um melhor futuro à representação do clube. A sua carreira na prova e os resultados feitos nesta temporada contra os melhores justificavam plenamente a conquista do título. Agora questão de vontade para persistir, pois a equipa está suficientemente apetrechada para tratar «por tu» os adversários mais categorizados. O «score» final foi pouco expressivo para o domínio exercido e para as oportunidades que surgiram, mas a tradição da final não admite também resultados copiosos”.


Também o presidente do Belenenses, Salvador do Carmo, considerou que a vitória na taça de 1942 foi uma primeira vitória, uma nova era, e que muitos mais triunfos se iriam seguir:
“Todos os bons belenenses… devem sentir-se radiantes pela vitória alcançada na Taça de Portugal. Ela marca, estou certo, uma nova fase na vida da colectividade, que estava a precisar de um grande triunfo. Quebrou-se o «enguiço». Estou convencido de que a vida interna do clube… deve sentir as benéficas consequências da vitória. É especialmente neste pormenor que me satisfaz o êxito retumbante do nosso «team».
A vitória agrada-me, ainda, sob muitos aspectos… Não quero deixar de salientar a circunstância animadora da equipa ser constituída por jogadores novos, alguns dos quais não atingiram o máximo das suas possibilidades. Isto dá-nos a consoladora certeza de que o Belenenses voltou a possuir um «team» capaz de continuar uma série de triunfos que o de agora principiou.”

De facto, quatro anos após terem sido pronunciadas estas palavras premonitórias, o Belenenses sagrou-se campeão nacional.