História de Matateu - 3ª parte.

O princípio do sonho estava concretizado. A bola trapeira, feita de velha meia tirada às escondidas da mãe Margarida, tomou o mesmo caminho dos apetrechos de pesca: ficou a um canto na casa da estrada do Zixaxa. Matateu era agora um jogador “a sério”, como ele então dizia. Mas o “João Albasini”, que naquela altura não estava ainda filiado, pouco mais representaria para Matateu, do que o facto de ficar na história como o seu primeiro clube. Efectivamente a permanência de Lucas no clube formado pela família Albasini não foi além de pouco mais que uma época.

Entretanto o nome de Matateu começava a infiltrar-se nos âmbitos desportivos da progressiva capital de Moçambique. Aos campos de Xipamanine e de Mahafil, pertencentes à Associação Africana, deslocava-se muita gente, levando um nome no ouvido: Matateu. Mas a ânsia de jogar a bola era muita, e os jogos duravam pouco tempo.

E um dia nasceu o “Acrobático”, um clube particular fundado por Matateu, Coluna, o mano Vicente e outros.
O “Acrobático” era formado por elementos dos vários clubes do Alto Mahé e disputava com outras equipas do mesmo género torneios que eram normalmente entusiásticos. Matateu recorda esses encontros com uma réstia de saudade. Aquela saudade dos anos de juventude, que jamais voltarão.

As equipas pagavam cem escudos cada uma e o vencedor de cada prélio arrecadava os respectivos duzentos escudos. No fim do torneio, o vencedor tinha quatrocentos escudos e então havia paródia. Uma das equipas que muitas vezes competiram com o “Acrobático” era o “onze” de Juca, mais tarde “Internacional” leonino, que nessa altura alinhava a guarda-redes.
O próprio Rodolfo Albasini tinha também um grupo particular.
Matateu, era então o treinador do “Acrobáticos”, e a sua vida desportiva repartia-se entre os dois grupos: o “João Albasini” e o seu clube popular.

À medida que as suas possibilidades para a prática do futebol vão sendo conhecidas, Matateu recomeça a sonhar. E o sonho agigantava-se cada vez mais. A meta que ele quer alcançar está ainda muito longe. Era imprescindível muito trabalho, muita dedicação. Ao trabalho não se furtaria, a dedicação ao futebol tinha-a desde os primeiros passos, desde aqueles dias em que tropegamente saía de casa para ver os rapazes mais velhos pontapearem as bolas de trapo.

Por pouco tempo o “João Albasini” contou com a sua colaboração. Um dia surgiu a promessa e um emprego. Condições: jogar no 1º de Maio.
O emprego vinha ajudar a resolver o problema das necessidades da família, o 1º de Maio, clube que quando ainda rapazito visitou, seria a realidade dos seus sonhos.

Nova fase da sua vida ali se iniciou.
Logo aos primeiros encontros Matateu fez excelentes exibições que entusiasmaram os adeptos do clube, então filial do Belenenses. Lucas da Fonseca era o grande cartaz da equipa da cruz de Cristo. Para a verem, deslocavam-se aos campos onde o 1º de Maio se exibia elevado número de entusiastas do futebol.

Em Lourenço Marques falava-se muito do futebol metropolitano e nos seus ídolos, jogadores famosos que possuíam todos os segredos mágicos da modalidade que, quase em todo o mundo, é delírio das multidões. Às vezes Matateu ouvia a história de algum desportista moçambicano que tinha vindo a Lisboa. Como seria o futebol praticado pelas turmas grandes de Portugal?

Ele nunca os veria; pensava. Mas aconteceu.
O Benfica, aureolado com o título de campeão nacional e recente vencedor da “Taça Latina”, deslocou-se a Lourenço Marques. O público laurentino viveu com emoção incontida a visita da popular colectividade lisboeta.
O primeiro encontro que os “encarnados” efectuaram foi contra a selecção de Lourenço Marques. O Benfica venceu por 2-1, e Matateu que havia alinhado pela selecção teve um jogo infeliz. Por ser o único jogador de cor a ser utilizado pela turma local e porque o seu noma era apontado como um dos mais temíveis adversários dos campeões nacionais, Matateu tornou-se o alvo principal das criticas. A sua actuação foi considerada inferior, longe daquela que o público da cidade laurentina aguardava.

Veio o segundo jogo com o Benfica.
O antagonista era a equipa dos Naturais. Matateu lá estava de novo desejoso de desfazer a má impressão causada no primeiro prélio. E conseguiu. Depois de uma exibição em cheio, culminada com a obtenção do terceiro golo (os visitados venceram por 3-1), o fogoso avançado do Alto Mahé impressionou de tal modo os seus adversários que logo surgiram os convites.

Mas Matateu não era um homem totalmente feliz. O emprego que tinha em Lourenço Marques era bastante incerto. Uns dias trabalhava, outros não.
Muitas vezes, depois dos treinos, o jovem jogador entregava-se a pensamentos tristes. Finalmente o futebol só por si, nada resolvia. Era necessário arranjar uma colocação que lhe desse um vencimento certo para auxiliar a luta pela vida que se travava naquele lar de Alto Mahé.

Os jogos prosseguiram. Depois do Benfica, outras equipas do Continente deslocaram-se a Moçambique, entre elas o Atlético Clube de Portugal, e mais tarde também o Marítimo do Funchal.
A sua situação mantinha-se no 1º de Maio. Ele, todavia, queria mais. O emprego não lhe saía da mente. Era ídolo dos desportistas laurentinos, mas os seus sonhos eram já maiores. Mais altos.
Nessa altura, em África, não existiam ainda aquelas burocracias nas transferências de jogadores. Quando um dia o “Administrador” de Manjacaze lhe falou num emprego na Administração, ele falou imediatamente com a sua mãe. E nova etapa surgiu na vida de Matateu.
Foi para Manjacaze. Tinha um emprego, e agora sim. Era um homem feliz.

De novo se encontrou com Mendes, seu companheiro dos jogos de criança, dos bancos da escola.
Na Administração de Manjacaze passou a haver um empregado que jogava futebol e que tinha muitos sonhos.
Os sonhos que nasceram quando viu pela primeira vez em Lourenço Marques os jogadores do Benfica.
O Benfica era de Lisboa, uma terra onde o futebol era algo como uma lenda, no cérebro de Lucas da Fonseca.