História de: Matateu - 2ª parte
Os dias passavam. Iguais uns, diferentes outros. A vida de Matateu seguia o seu caminho dividida entre o amor ao lar e a paixão ao futebol. De vez em quando, ao chegar a casa depois de cumpridas as horas da escola, o pequeno Lucas olhava ainda, a um canto da casa, os apetrechos da pesca, a alcofa vazia. Tinha tentações. Parecia ouvir as ondas do mar chamarem por si. Mas lá no íntimo, bem no fundo da sua alma, bailava o sonho da bola. E, esse sim, era uma verdadeira tentação. Os anos decorreram, e Matateu começou a pensar no futuro. Não tinha grande vocação para os estudos. Todo aquele emaranhado de letras, aquelas somas de números após números, causavam-lhe por vezes grandes aborrecimentos. Mas ele era ainda um rapaz e a mãe e o pai pediam-lhe que estudasse. Sim, porque a bola não era futuro para ninguém.
Aos rogos dos seus progenitores, o pequeno Lucas lá foi estudando, embora nunca esquecesse o sonho de ser jogador de futebol. E, sempre que era possível, nos encontros entre equipas de Alto Mahé, ou naqueles que os rapazes da estrada do Zixaxa disputavam com outros grupos formados nas imediações, Matateu lá estava, dando expansão a toda a alegria e vivacidade que lhe enchia a alma.
Seu irmão Alberto, o mais velho dos manos Lucas, jogava no “João Albasini”, um clube que fora formado pela família de Rodolfo Albasini, que foi, anos mais tarde, jogador do F.C. Porto. Mas o Alberto já não tinha que dar satisfações aos pais. Havia constituído família. Às vezes Matateu ia ver os treinos, mas ficava-se por ali, esperando que alguma bola, chutada com mais violência, ultrapassasse o improvisado rectângulo, para a tocar com modos de feitiçaria. Um dia devia ser. Também envergaria uns calções e uma camisola, calçaria umas botas, e então sim; seria feliz, ditosamente feliz. Era preciso tentar. Uma vez, ainda se encontrava deitado, pensou no caso.
- “Tenho que me decidir.” E foi. Naquela manhã de Verão, mal o sol apareceu em esplendoroso sobre a terra africana, o Lucas foi de abalada até ao 1º de Maio. Havia treino, e ele queria mostrar as suas habilidades. Quando há dias falamos com o Lucas da Fonseca para colher elementos para esta série de artigos, perguntámos-lhe logo qual a sensação que teve quando calçou as primeiras botas de futebol. Não se lembrava, tinha sido naquela manhã, no campo do 1º de Maio.
Treinou, e logo os dirigentes do clube laurentino se entusiasmaram.
O pai receou que seu filho não seguisse a profissão de tipógrafo como ele. Deu-lhe conselhos, indicou-lhe por mais uma vez o caminho da escola, como sendo o melhor que ele tinha a percorrer.
E o Lucas, bom filho, não quis desgostar o pai. Nunca mais voltou aos treinos da antiga filial do Belenenses. Contentou-se em alinhar pelos grupos formados lá no bairro. Ia aos campos de Mahafil e da Beira-Mar disputar jogos que duravam horas consecutivas. Eram aqueles jogos de mudar aos seis e acabar aos doze, e que no fim dão direito ao vencido a pedir “desforra”.
Certa vez, com o amigo Mendes, companheiro dilecto das “jogatanas”, Lucas voltou à pesca. Tinha já quinze anos. Os sonhos amalgamavam-se constantemente, mas só um, o futebol, se impunha.
A vida é assim. Nem tudo são rosas, carinhos e desejos. Os espinhos aparecem a cada passo, e quando menos se esperam. Na vida de Matateu também as más horas se depararam. Com cerca de dezasseis anos de idade, aquele que viria a ser um dos maiores futebolistas portugueses de todos os tempos, sofreu um rude golpe. Lucas Matambo cerrava para sempre os olhos. A dor entrava naquele lar humilde, mas, ate então, feliz. O pai Matateu morrera. O principal braço que sustentava a família, jamais se contrariaria com as ambições futebolísticas do filho, Sebastião.
Este acontecimento doloroso, influiu extraordinariamente na vida do jovem Lucas. Vendo a precária situação em que a família ficara, Matateu logo pensou ser chegada a hora. A mãe era mais fácil de persuadir do que o seu falecido pai. Assim aconteceu.
Depois das últimas tentativas para demover o filho, a senhora Margarida Heliodoro cedeu. Vieram mais conselhos, mais votos de que tudo fosse para bem do filhinho, e Matateu ingressou enfim no “João Albasini”.
Nascia um grande jogador de futebol. A partir desse momento, eesa África longínqua, onde o “quissange” entoa, contava com mais um ídolo.
Logo de início as suas qualidades natas para o futebol foram notadas.
Poucos jogos feitos e já o seu nome se espalhava em grandes ramificações. No “João Albasini” havia um rapazito com muita habilidade. Estava ali um grande jogador. E, os jogos em que ele intervinha passaram a ter uma assistência especial. Eram os dirigentes de outros clubes de Lourenço Marques. O pequeno Lucas começou a ser assediado.
Mas uma coisa Matateu nunca esquecerá! Foi um golpe rude que o lançou definitivamente na vida que ele sempre sonhara. E tanto desejaria ter começado com os incitamentos do pai. Mas o pai morrera, e foi a sua morte que fizera com que o “João Albasini” fosse o primeiro clube de um grande jogador.
(Terceira parte no Domingo)
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