História de Matateu (1)

Na Estrada do Lixaxa, em Alto Mahé, um bairro da progressiva cidade de Lourenço Marques, vivia uma família humilde. O casal Lucas Matambo – Margarida Heliodoro e dois filhos; a Albertina que era a mais velhinha, e o Alberto que também já corria, traquina, pelas ruas do bairro.

Naquele dia, 26 de Julho de 1927, havia alvoroço em casa. Um novo filho nascia, aumentando a prole e a felicidade daquele lar humilde e carinhoso.
O menino foi baptizado. Deram-lhe o nome de Sebastião Lucas da Fonseca. A festa foi familiar pois os recursos não abundavam.
Os anos decorreram, sempre monótonos, sempre iguais, para o casal Lucas Matambo – Margarida Heliodoro. Só o pequeno Lucas se ia transformando. Era já um rapazinho de espírito irrequieto e ladino.
A estrada era o seu mundo, e ali aprendeu os primeiros passos, de início incertos e cambaleantes, depois mais firmes e seguros.
Ás vezes os passeios eram um pouco mais demorados, mas logo a voz da mãe Margarida se ouvia a chamar pelo filho. Um dia, já lá vão alguns anos, o Lucas, a quem chamavam já Matateu, viu o irmão mais velho com outros rapazes a pontapear uma bola de “trapos”. Teve uma tentação… mas os outros eram muito mais velhos do que ele, e certamente não o admitiram na brincadeira. Só tinha cinco anos.
O tempo foi caminhando na sua corrida infinita, alheio às brincadeiras das crianças da Estrada do Lixaxa.

Matateu completara já oito anos.
Entretanto o lar onde ele nascera, voltara a ser testemunho de novo acto como aquele vivido em 26 de Julho de 1927. Nascera outro menino: o mano Vicente.
Nessa altura, na cabecita de Matateu, vivia o seu primeiro sonho. Ingressara na escola para aprender as primeiras letras, mas já tinha dado os primeiros pontapés numa bola feita de velha meia, tirada às escondidas do cesto da roupa. E desde cedo revelou a maior intuição para o futebol.

Os encontros demoravam horas e eram disputados nos areais existentes nas cercanias.
Contingência da idade, e embalado pela curiosidade, Matateu alongou os seus primeiros domínios. Quando havia desafio com os rapazes de outros bairros vizinhos, a presença do pequeno Lucas era imprescindível, assim como a de outros companheiros da escola.
Foi assim que o pequeno Mundo se foi alongado. Os jogos com os grupos do Bairro de Cima e da Ponta Vermelha afastaram-no mais. Uma vez foi ver os campos do Sporting e do Desportivo.
Um dia havia de jogar ali, com um equipamento a rigor, umas botas de futebol e uma bola a “sério”.

Lentamente o sonho foi-se arreigando. Quando fosse homem seria como o mano Alberto: jogador de futebol.
Dia, após dia, esperando ansiosamente o final das aulas para, depois de “engolir” as refeições, ir viver o seu mundo, mais se revelava a propensão de Lucas para o futebol.

Todavia, um novo sonho nasceu. Matateu, percorridos os arredores de Alto Mahé, foi até à praia. E ficou seduzido pelo mar. Ouviu as histórias de audazes marinheiros. Pé ante pé começou por entrar na água. Foi até Polana. O seu sonho de bola parecia esfumar-se. Pouco tempo passado e já era nadador exímio. Não voltara aos desafios, nem sequer a ver os treinos no Desportivo, no Sporting ou nos Ferroviários. Só pensava no mar, no prazer que sentia ao entrar nas ondas que vinham morrer junto à praia. Viu uns pescadores na muralha, e a pesca fascinou-o. Conseguiu uma cana. Depois de muito assediada, mãe Margarida cedeu a dispensar alguns escudos; e o material de pesca foi aumentado.

Na muralha, apareceu mais um pescador. No grupo de pequenos futebolistas do Bairro do Lato Mahé houve uma baixa importante. Ao entardecer, quando sobre o casário caía o manto negro da noite, Matateu regressava a casa. Ia radiante com a colheita: alguns pequenos peixes que saltitavam no fundo da alcofa.
Mas tinha que ser. O seu primeiro sonho fora a bola, e a bola era uma obsessão que um dia voltou.

A um canto daquela casa na Estrada do Lixaxa ficou inerte a cana de pesca, os outros apetrechos e a alcofa onde transportava o produto da pesca. Os peixes que viviam na baía ficaram com menos um inimigo, o grupo de futebol conquistara de novo um elemento que parecia perdido. O primeiro sonho venceu...
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(Continua no Domingo)