Artigo de opinião: O Factor J. - segunda parte

Analisemos agora a época nas suas diferentes fases.
A primeira prolonga-se em grande medida até à 11ª jornada, enquanto a segunda decorreu desta jornada até à actual.
















A primeira metade do campeonato (isto tendo como referência a 22ª jornada) foi o período da experimentação, ou se se quiser, o período no qual Jesus desconhecia ainda em parte o real valor dos jogadores à sua disposição.
Fruto desta realidade, Jesus efectuou diversas experiências que, como experiências que são, ofereceram poucas garantias de êxito.

Atentemos ao primeiro 11 de Jesus, no jogo da 2ª jornada que opôs o Belenenses ao Vitória de Setúbal:
Costinha; R. Alvim; Nivaldo; Rolando; Amaral; R. Amorim; Silas; Zé Pedro; Roma; Fernando; Manoel.
Trata-se de uma equipa muito semelhante ao 11 mais utilizado por Jesus actualmente em termos defensivos e de meio-campo, mas substancialmente diferente na dianteira. Nota-se igualmente a ausência de um trinco com características mais defensivas, sendo o lugar à frente da dupla de defesas centrais ocupado por R. Amorim.
No ataque, um tridente ofensivo composto por Roma, Fernando e Manoel. Escolhas mais do que duvidosas poderíamos dizer hoje, mas que naquele momento, a priori, faziam sentido.
Perante a má exibição de Manoel, o brasileiro é o único sacrificado no 11 titular à 3ª jornada, verificando-se a entrada de Cândido Costa.

Apesar do empate em Coimbra, Jesus leva a cabo, na 4ª jornada (0:0 com a Naval), uma pequena revolução na defesa – saída de Amaral e Rolando e entradas de Gaspar e Sousa – trocando ainda Cândido C. por Dady. Regresso de Jesus ao esquema de 4x3x2x1, depois da hesitação no embate com a Académica.

Apesar de não ter ainda um 11 ideal claramente formado, Jesus não altera muito os titulares para o jogo da 5ª jornada com o Boavista: entradas de Mancuso e Manoel, para os lugares do castigado Zé Pedro e de Dady.

Na jornada seguinte Jesus abdica novamente de Dady, e coloca um 11 sem ponta-de-lança – ataque entregue a Silas, Eliseu e Roma. Sem grande surpresa perante tal 11, o Belenenses perde no Funchal com o Nacional.
Era tempo de fazer actuar novamente Dady, e os azuis do Restelo vencem o Paços por 2:1.
A estratégia mantêm-se na 8ª jornada, e sucede nova vitória, desta feita na Vila das Aves.
Seguem-se 3 jogos, e 3 derrotas, nos quais Jesus falha claramente nas opções iniciais: no Restelo frente ao Leiria, com Pinheiro e Roma no 11, e ainda mais flagrantemente no jogo da Amadora da 10ª jornada – pequena revolução no 11 que engloba as entradas a titular de Faísca, Manoel e Fábio Januário e a ausência de um trinco com características defensivas; este lugar é ocupado por Ruben Amorim, verificando-se ainda o recuo de Zé Pedro. Nova chamada a titular de Manoel no jogo com o Porto, desta vez acompanhado por Roma.
Depois de 11 jornadas muito fracas – 11 pontos e 12º lugar da classificação – Jesus entende ser tempo de acabar de vez com as experiências: Manoel é definitivamente afastado do 11 (e posteriormente do plantel) que assume finalmente as características actuais: dois triângulos no meio-campo e no ataque, compostos, respectivamente, por Sandro G., Ruben Amorim e Zé Pedro e por Silas, Cândido Costa e Dady.
Resultado: brilhante vitória em Aveiro, e início de uma série de jogos – que se prolongam até a jornada actual – muitos bons, se exceptuarmos o jogo com a Académica. Na segunda metade da liga – a segunda fase como acima lhe chamámos – o Belenenses somou 23 pontos, fruto de 7 vitórias e de 2 empates – derrotas somente com Benfica e Académica. O porto, por exemplo, somou 24 pontos no mesmo período e Sporting 20, ou seja, menos 3 pontos que os homens comandados por Jesus.
Aos números da liga é necessário ainda somar as 3 vitórias na taça de Portugal que colocam o Belenenses na meia-final da prova.
Consequentemente, o Belenenses ascendeu ao 5º lugar da classificação – encontrava-se a 8 pontos do 5º, o Nacional, à 11ª jornada – a só ponto do 4º lugar, o braga.

De resto, na presente época, muito nivelada por baixo, o Belenenses tem a oportunidade inédita, nos últimos 20 anos, de se classificar em 4º lugar.
Tendo em conta as últimas 5 temporadas, 2006-07 é a época na qual o 4º classificado somou menos pontos à 22ª jornada, 35, número também ocorrido em 2003/04. Em 2002/03 o 4º classificado, o Guimarães, tinha 38 pontos; em 2004/05 39 pontos (boavista) e no ano passado o braga somava já 41 pontos na mesma altura da época.
Quanto ao Belenenses, somava 29 pontos em 2002/03, 23 pontos em 2003/04, 28 pontos em 2004/05, e 25 pontos na época passada. Ou seja, na melhor destas épocas, 2002/03, os azuis do Restelo tinham menos 5 pontos em relação aos 34 obtidos por Jesus e encontravam-se a 9 pontos do 4º classificado.
Notável, tendo em conta todos os problemas da pré-época e da primeira fase da liga, na qual Jesus não sabia ainda muito o que esperar de cada jogador.

Os grandes treinadores são a soma de 3 aspectos:
1 – Saber “gerir” homens, ou se se quiser, ser um verdadeiro líder de um conjunto de jogadores com personalidades muito diversas. Daqui provêm um factor indispensável ao sucesso de qualquer equipa: o factor suor, empenhamento e entrega ao jogo – ou seja, precisamente o que faltou na época passada.
2 – Ser conhecedor do jogo dentro das 4 linhas, compreender e saber aplicar a táctica de melhor se ajusta a um determinado grupo de jogadores.
3 – Possuir “olho” para deslumbrar um jogador de qualidade, mesmo quando este actua num campeonato com características muito diferentes do português.

Jesus, sem qualquer dúvida, preenche com distinção todos estes aspectos fundamentais para o sucesso de qualquer treinador.
Inclusive no 3º ponto – que implica capacidade financeira e tudo o mais – Jesus fez “omeletas sem ovos”, e mesmo sem dinheiro e sem perspectivas de jogar na 1ª liga, conseguiu contratar excelentes jogadores como são os casos de Nivaldo e de Rodrigo Alvim. O “olho” de Jesus foi ainda bem visível aquando das dispensas de Inverno – Vasco Faísca, Manoel e Fábio Januário – e da contratação de Garcés, outro bom jogador.

Por tudo isto, Jesus é sem dúvida o grande responsável pelo sucesso do Belenenses, versão 2006/07.
Como teria sido a época passada com Jesus? Teriam sido os cartazes do “Rumo à Europa” tão descabidos como depois acabaram por ser?
Nunca o saberemos…