Entrevista de José Anes (A Bola)

- " PRESIDENTE INTERINO QUER ACABAR COM INSTABILIDADE DIRECTIVA E VIRAR O CLUBE PARA O FUTURO

«Está na hora de virar a página»

Ocupou-se de tantos desafios na vida que no seu extenso currículo praticamente só lhe faltava ser presidente de um clube de futebol. José Manuel Anes, 63 anos, pode agora dizer que abraçou mais um desafio. Como se ter sido grão-mestre de uma Loja maçónica, ser professor universitário convidado, investigador científico no Laboratório de Química e Física e Radioquímica, criminalista, estudioso de correntes esotéricas e novas religões, vice-presidente do Observatório de Segurança, Crime Organizado e Terrorismo, não fossem já de si ocupações suficientes para uma vida na qual já não há espaço, diz entre sorrisos, para a vida pessoal. Sofre de tensão alta. Mesmo que não sofresse, sofreria agora. Teve de gerir com luvas de pelica uma crise interna no clube de que era presidente da Assembleia Geral e preparar a passagem de testemunho de Cabral Ferreira para quem lhe suceder dentro da maior tranquilidade. E a 21 de Maio tem de entregar a sua tese de doutoramento. A A BOLA dá explicações para as decisões polémicas que tomou. Aos adeptos do Belenenses dirige palavras de confiança e de esperança num futuro azul. Como canta Pedro Barroso, num dos hinos do clube, «azul do mar, como o passado; azul do céu, como o futuro...»

— Chega a presidente da Assembleia Geral a convite de Cabral Ferreira e de repente vê-se obrigado a assumir a gestão do clube. Sente-se preparado?

— Não, de maneira nenhuma. Não só não tenho capacidade de gestão como não tenho capacidade financeira. Quando Cabral Ferreira me convidou para ser presidente da AG, aceitei com orgulho, mas a pensar numa ou duas assembleias por ano, mais ou menos tranquilas. Seja como for, não fujo às minhas responsabilidades.

— Vai exercer o cargo ou delegar tarefas?

— Delegar. Para já, há dois membros da direcção, Barata Marques e Viana de Carvalho, que se disponibilizaram para o dia-a-dia. Cabral Ferreira também se ofereceu para assegurar uma transição segura. Na proximidade com o dia a dia temos além dos dois elementos da direcção, Jaime Vieira de Freitas, João Gonçalves e Francisco José Martins. No aconselhamento e acompanhamento teremos Ramos Lopes, Mendes Palitos e Jaime Monteiro. Penso que é uma equipa com força, que dá tranquilidade para a gestão corrente.

— Que tipo de trabalho é possível fazer nesta altura?

— Gestão corrente, apenas. As grandes decisões têm de ser tomadas pela próxima direcção.

— Mas convocou eleições para 29 de Março, ou seja, apenas para um mandato de um ano. Tem sido muito criticado...

— Sei que seria bom a lista vencedora ter mais um ano de trabalho, mas entendo que este período de transição seria um período de instabilidade, pior ainda se as eleições fossem apenas em Maio. Gerou-se uma contestação bastante viva e creio que o Belenenses não a aguenta mais. Esta contestação interna culminou com o caso Meyong e imediatamente surgiu um abaixo-assinado para a realização de uma AG para destituir a direcção. Aí, alguns membros da Direcção e outros fora dela disseram que convinha a todo o custo evitar uma humilhação da direcção e do próprio Cabral Ferreira. Esta demissão permitiu-nos proceder a acto eleitoral num quadro de maior estabilidade emocional. Está na hora virarmos a página...
Prova de amizade em vez de traição

— Cabral Ferreira foi convencido a demitir-se, tal como disse na entrevista que deu a A BOLA, na qual garantiu sentir-se em condições físicas para continuar a ser presidente do Belenenses...

— Ele poderá até dizê-lo, mas ele próprio disse no Conselho Geral que se o caso Meyong fosse há uns meses seria fácil para ele enfrentá-lo. Assistimos com muita mágoa à degradação da saúde dele, algo que é patente nos últimos meses. Está lúcido, mas não é o mesmo. Disse-lhe que seria bom para ele destinar mais tempo da sua vida para a cura e que para o Belenenses isso seria uma oportunidade para encontrar uma solução de estabilidade.

— Ele diz, no entanto, que se sente traído por algumas pessoas. Acha que o que fez quem o acompanhou não é uma traição, mas uma prova de amizade?

— Nos últimos meses ouvi da parte de alguns vice-presidentes, com amizade, que tinham falado com ele e lhe tinham dito que deveria retirar-se. Sempre me pareceu que o fizeram num pressuposto de amizade.
O consenso desejado mas difícil

— Gouveia da Veiga, que admite avançar com uma candidatura à presidência, assumiu-se já contra a data para que foram marcadas as eleições...

— Estou de acordo, mas pesou muito a instabilidade interna. E é por isso que falo também da solução de consenso. As pessoas têm o direito de encontrar listas, porque as pessoas têm ideias diferentes e por vezes é impossível fazer um consenso.

— Tem defendido uma lista de consenso para as próximas eleições. Porquê?

— Porque tinha um ano em que podia arrumar a casa, ver a situação do clube, fazer alterações estatutárias. Mas isto é uma reflexão pessoal.

— É hora de arrumar a casa, então?

— Sem ser crítico para quem esteve à frente do Belenenses, sim. Arrumar a casa é preparar o futuro. Um ano é um período razoável para essas duas tarefas importantíssimas. Era importante, para a terapia de que o clube precisa, que as pessoas nas assembleias gerais apresentassem as suas posições com firmeza, mas com menos carga emocional. O nosso grande cientista António Damásio proclamou que não há razão sem emoção, mas no Belenenses há razão com demasiada emoção.

— Que prioridades para a futura direcção?

— É preciso que o clube saiba a sua situação financeira e isso ainda não está muito claro. Deve também proceder-se a uma alteração dos estatutos, pois estes estão cheios de problemas. São duas grandes tarefas para uma próxima direcção.

- "FÉ NUM FUTURO PACÍFICO E DE SUCESSO
Extinção? Nem pensar

Em recente entrevista a A BOLA, o presidente demissionário, Cabral Ferreira, apontou vários problemas à vida diária do clube, deixando o alerta: «A continuar assim, o Belenenses caminha rápida para a extinção». José Manuel Anes discorda:

— De maneira nenhuma. Se esta fase de contestação, de crise interna, se arrastasse muito havia o risco de o Belenenses cair em crise mais profunda. Essa é uma das razões pelas quais o acto eleitoral é já em Março.

— Como vê o Belenenses daqui a 10 anos?

— Há muitas e boas ideias, apresentadas pelas diversas listas, direcção, conselho geral. Vejo um Belenenses com grande capacidade se conseguir dinamizar mais gente para as modalidades e para os espectáculos desportivos do futebol. Hoje o desporto é também uma fonte de rendimento. O Belenenses pode investir nisso. Há a possibilidade de uma parcial urbanização do terreno, que está há longos anos a discutir com a Câmara Municipal de Lisboa.

- " CRUZ DE CRISTO NA MIRA DO TERRORISMO

«Ameaça da Al-Qaeda não é para levar a sério»

Vice-presidente do Observatório de Segurança, Crime Organizado e Terrorismo, José Manuel Anes segue com atenção tudo
o que tem a ver com as ameaças da Al-Qaeda. Recentemente, a organização terrorista fez saber que tinha na mira os clubes desportivos que tenham cruzes (símbolo católico) no emblema. O Belenenses tem, mas não tem razões para temer. A palavra ao especialista:

— Essa ameaça da Al-Qaeda não é para levar a sério. Há muita coisa da Al-Qaeda que é da área da propaganda, só para assustar as pessoas. Se um clube retira a cruz do emblema é uma vitória simbólica do terrorismo. É evidente que em França e em Itália há um risco maior de terrorismo e compreendo os receios dos clubes...

— Mas no caso do Inter, que tem um equipamento a lembrar as cruzadas, é para levar a sério?

— Se vamos entrar por aí, o Cristiano Ronaldo tem de mudar de nome, porque é Cristiano! Vamos por aí? Isto é surreal! É preciso ter calma. As ameaças do terrorismo são reais, mas são de uma minoria que se infiltra nas comu-nidades muçul-manas. E o Belenen-ses, com certeza, vai continuar. A nossa cruz não é um símbolo religioso: é o emblema que estava nas caravelas dos descobrimentos. Não está em risco o Belenenses.

- " «O clube fica bem servido»

O presidente interino do Belenenses fez questão de deixar uma mensagem aos adeptos do clube. Em tempo de crise, diz, nada há a temer:

— Tocou a rebate para o clube. As fases de transição encerram algum drama, mas não são dramáticas. São fases de renovação e por isso é que muitos entenderam que deveria ser o mais curto possível. Apelo a todos, em massa, para comparecerem aos jogos das várias modalidades. Se não houver uma lista de unidade, que venham várias listas, com várias ideias e com gente competente. Não conhecia a nova geração e foi uma revelação bastante positiva, tanto de dentro como de fora da direcção. Dentro do que se apresenta no momento, o Belenenses fica bem servido, desde que haja serenidade. Não tenho receio do futuro.
Prioridade à estabilidade
Como presidente interino do clube do Restelo, José Manuel Anes tem poder para mudar dois dos três administradores da SAD (Miguel Ferreira foi eleito pelos accionistas). Admite fazê-lo, até porque Cabral Ferreira ainda é o presidente e não deverá continuar. Perguntamos-lhe se vai mudar os administradores...

— Até ao fim do mês, que é o período das transferências, não. Tem de ser tudo tratado com pinças. Depois tenho de tomar decisões. Sou presidente da AG da SAD, também, e logo no início de Fevereiro vou reflectir para eventualmente mudar os administradores não eleitos da SAD. Agora nem quero falar disso, porque é o mês em que é necessário ter mais estabilidade.